Há dias, este jornal pedia aos seus leitores que votassem em quem julgavam ter sido a principal figura de 2016. A tentação de escolher Donald Trump talvez seja grande, mas a única resposta decente é Vladimir Putin. Não por o autocrata russo merecer mais louvores que o primeiro presidente laranja dos EUA, mas por quase tudo o que aconteceu em 2016, da Síria ao próprio Trump, ter tido o seu dedo metido ao barulho. Mas, ao contrário do que a forma como Putin era apresentada como escolha nessa votação parece sugerir, essa quase omnipresença do líder russo no lodaçal internacional não se deve a um “grande poder” de uma Rússia em “expansão”. Pelo contrário: é um produto de tanto a Rússia como o regime de Putin serem extremamente frágeis.

A economia russa está em recessão há dois anos. A moeda perde força à medida que Putin manda imprimir cada vez mais dinheiro para tentar esconder o facto de que ele vale cada vez menos. Os preços dos bens disparam em resultado desse truque, e o desemprego segue o mesmo caminho. Se a isto juntarmos a profunda crise demográfica do país, e a esta fraqueza conjuntural a fragilidade e sentimento de ameaça históricos – sendo um país periférico, geograficamente distante do coração do continente europeu, com a maior massa continental do mundo (o que o torna difícil de defender) e uma população com uma enorme variedade étnica (o que, juntamente com a dimensão territorial, o torna difícil de governar) – rapidamente se compreende que a Rússia, hoje como no passado, não consegue fugir a um modelo de governo autocrático e, especialmente, externamente agressivo.

Em primeiro lugar, o nacionalismo da população russa torna-a presa fácil da exploração que Putin faz da sua política externa agressiva como arma de propaganda interna, conseguido assim obter o apoio que o desastre económico a que tem presidido não lhe permitiria obter. Em segundo lugar, como depende consideravelmente das receitas do sector energético para se enriquecer a si própria e para subornar o maior número de gente possível (na Rússia e no estrangeiro), a máfia putinista depende da obtenção e manutenção do controlo de regiões estratégicas para o sucesso desse sector e de empresas do sector noutros países, para neles exercer “influência”.

E finalmente, Putin percebe que quantas mais crises internacionais criar ou ajudar a agravar, ou quanto maior for o conflito político interno no seio dos países seus rivais, mais dificuldades lhes cria, ao dividir as suas alianças ou ao fragilizar o seu apoio político e estabilidade internos. Por isso patrocina partidos em vários países europeus, divulga (na Ucrânia, Eslováquia, Polónia ou EUA) escutas secretas de políticos e emails extraídos de hacks aos partidos, e, com a Russia Today, a Sputnik News e a “quinta de trolls” do regime, inunda o espaço mediático de teorias da conspiração num bem sucedido esforço de descredibilizar toda e qualquer fonte de informação.

2017 não será diferente. Na Síria, tudo ficará na mesma. Em França, qualquer um dos principais candidatos presidenciais está em sintonia com os interesses russos. Nos EUA, Putin terá um admirador na Casa Branca e uma série de gente com ligações ao seu país (e negócios) na sua equipa. E, a caminho das eleições alemãs em Outubro, não faltarão “incidentes” como os que marcaram as americanas de Novembro. Vivemos em 2016 (e viveremos em 2017) no mundo de Putin: um mundo onde impera a força bruta, a manipulação e a corrupção.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.