A 24 de Abril de 1974, Portugal era um país internacionalmente isolado. Apesar de manter relações diplomáticas com mais de 50 Estados, a guerra colonial em três frentes, em clara contramão com o princípio da autodeterminação dos povos estabelecido pela Carta das Nações Unidas em 1945, fazia de Portugal um activo tóxico até para os seus aliados históricos.
Até 1974, Portugal e Espanha constituíam um anacronismo no contexto da Europa Ocidental. O Estado Novo e o franquismo tinham sido instituídos nos anos 30, num ambiente de ascensão dos regimes fascistas e quando algumas democracias ainda olhavam com tolerância para o regresso da ordem à Alemanha e a Itália. As dinâmicas do pós-guerra e, sobretudo, a necessidade de fazer frente aos soviéticos foram determinantes para perpetuar no poder os ditadores Oliveira Salazar e Francisco Franco.
Aquando do regresso de Mário Soares a 28 de Abril de 1974, Portugal é um país isolado, sobretudo por uma política colonial que assentava na tentativa de manter um modelo de relacionamento com as então colónias totalmente desfasado do tempo. Tendemos a olhar para o Soares Presidente, para o Soares primeiro-ministro ou para o Soares secretário-geral do Partido Socialista. Porém, o Soares ministro dos Negócios Estrangeiros (Maio de 1974 a Março de 1975) deixa uma obra não menos relevante e muitas vezes denegrida pelos seus detractores.
A recomposição das relações externas portuguesas e o início da transição de um país periférico, isolado e descredibilizado para um país plenamente inserido nas esferas europeia, atlântica e global são em grande parte um produto do trabalho de Mário Soares. Soares começa a construir este novo Portugal ao mesmo tempo que, a nível interno, enfrenta um processo revolucionário conturbado e quando corporiza o combate pela instituição de um regime democrático de estilo ocidental num ambiente propício ao radicalismo e ao realinhamento do país com o Bloco de Leste.
O trabalho de Soares não acaba com a sua saída do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Enquanto primeiro-ministro, será determinante para a entrada de Portugal e de Espanha na Comunidade Económica Europeia, à altura um clube de países ricos (com excepção da Irlanda). A assinatura da tratado de adesão à CEE, a 12 de Junho de 1985, é o corolário de um percurso institucional e político fundamental para o Portugal contemporâneo.
A recente eleição de António Guterres para secretário-geral da ONU permitiu-nos ter uma noção clara do prestígio de Portugal no mundo. Apercebermo-nos deste prestígio no momento em que o país tem enfrentado crises e dificuldades no âmbito do projecto europeu deixa ainda mais patente a solidez de uma imagem de Portugal que começou a ser construída há 43 anos por Mário Soares. Por isto e por muito mais, fica aqui o meu “Obrigado, Mário Soares”.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.