Para que uma mensagem passe da dimensão da palavra para o domínio público é necessário que se verifique uma identificação entre a mensagem e o seu objeto.
Quando, na primeira candidatura presidencial de Mário Soares, se criou a expressão “Soares é fixe” logo a mesma se colou à figura, porque era muito próxima da ideia que sempre se lhe ligou: a de uma pessoa preocupada, solidária e… porreira. Mário Soares assumiu-se com uma grande proximidade às pessoas, que se sentia à vontade e dominava qualquer ambiente e que encarava as dificuldades como um desafio para vencer.
Com o seu falecimento, desaparece um dos quatro pilares humanos da democracia partidária pós 25 de abril. Indissociável de Sá Carneiro, Cunhal e Freitas do Amaral, estes protagonistas foram os responsáveis pelos primeiros passos da construção do sistema partidário que ainda hoje domina a política portuguesa. E apesar de afastado do centro da vida política há algum tempo continuou até ao fim a estar presente e a deixar a sua marca.
Quatro décadas de democracia e a todos desafiou. Quando não venceu, logo se impôs de outra forma. Desafiou Eanes e Balsemão, obrigando um a dar-lhe posse na sucessão deste no governo do Bloco Central. Primeiro inspirador da “geringonça” obrigou o PCP a engolir sapos e a votar em si nas presidenciais de 1986, vingando-se de Cavaco que o tinha derrubado no ano anterior. E nunca desistiu de se impor, no PS em 2010, como já antes na década de oitenta, nas lutas do secretariado do PS, onde pontificavam Zenha, Guterres, Constâncio e Sampaio.
Democrata e europeísta, laico, republicano e socialista, Soares deixa um legado para todos, mesmo os que dele discordaram. E na hora da despedida, muitos reconhecem agora ter assegurado a opção plena pela democracia e pela Europa ocidental.
Mais emocional que racional, mais intuitivo que calculista, Mário Soares era um verdadeiro “animal político”. A forma como reagiu sempre às adversidades e às perdas, rapidamente as subjugando à vitória seguinte. Não sendo um amante dos dossiês da governação, encontrou sempre uma saída fina conjugando habilidade política e ultrapassagem de situações difíceis. Portugal não fica mais pobre pelo seu falecimento, porque o seu lugar na história ultrapassa a memória do quotidiano. O combatente pela liberdade, personalidade política única, marca o século XX e inspirará grande parte do século XXI.
Políticos em exercício podem e devem inspirar-se na sua habilidade. Amigos e adversários devem aprender a sua intuição e a sua ligação popular. Conhecia a solidariedade e raramente deixava cair um amigo. Recebia a mensagem popular e sabia interpretá-la, não deixando sem resposta os que a ele recorriam – mesmo que não tivessem razão.
Toda a minha vida política fui adversário de Mário Soares, mas tenho a consciência que acompanhei uma das figuras incontornáveis da política e da história portuguesa. Nem todas as gerações dispõem de uma oportunidade assim. Bem-haja. Portugal é fixe.