Certa vez, o célebre cirurgião Christiaan Barnard, quando perguntado sobre as razões pelas quais alguém se disporia a submeter-se a um transplante cardíaco (numa altura em que estes continham ainda uma assinalável dose de aventura, com taxas de sucesso muito baixas), afirmou que, para alguém cuja morte está iminente, a opção por um transplante não é uma decisão difícil. Na realidade – explicou –, se um leão persegue uma pessoa até um rio cheio de crocodilos, esta saltará para a água imediatamente, convencida de que existe uma possibilidade de ter sucesso a nadar até à outra margem. Mas essa mesma pessoa – prosseguiu – nunca aceitaria conformar-se com essa possibilidade se o leão não estivesse lá.

António Costa, depois de perder as eleições legislativas, e vendo-se perseguido pelo “leão” que o reduziria a uma vírgula irrelevante na história política portuguesa, não hesitou e mergulhou de cabeça na geringonça. Ninguém supunha nem que fosse tão bom nadador nem sequer que Marcelo estivesse tão disponível para o ajudar a partir da outra margem, qual experiente nadador-salvador que não quis ainda, porém, molhar a roupa. Entretanto, patrulham o rio os crocodilos Catarina e Jerónimo, aparentemente ferozes, mas que na realidade se limitam a abrir e fechar as mandíbulas. Assustam mas não mordem, parecendo plenamente saciados com a espécie de poder por controlo remoto que engoliram. Os crocodilos Arménio Carlos e Mário Nogueira vão nadando mais longe – tentam-se por vezes com uma aproximação sub-reptícia, com uma dentada em mente (afinal, é da natureza destes bichos), mas Jerónimo chama-os de volta e impede-os de chegarem demasiado perto do exímio nadador, que entretanto já cumpriu um quarto do percurso até à margem e começa mesmo a antecipar umas eleições legislativas que, à laia de tábua de salvação flutuante, lhe permitam sair do rio intacto.

O problema é um grupo de répteis rebeldes, que não obedecem a um líder incontestado nem se deixam enganar pela graciosidade da natação. Um é a dívida soberana, que continua a sua escalada (é já a dívida a dez anos com pior performance na Europa – Grécia inclusive), as taxas estão já acima dos 4%, o nível de alarme da DBRS, que tem a boca bem aberta para baixar o rating da República, desferindo um golpe fatal no glorioso slalom de Costa. O outro é Bruxelas, que se mantém serena nas aparências mas com a Comissão a dar mostras de um crescente desconforto.

É sabido que conseguimos enganar alguns por muito tempo, mas que é impossível enganar todos para sempre. Afastado da realidade económica, governado por uma política pragmática e totalmente insensível ao crescimento da nossa economia, da legislação laboral à distribuição de aumentos, o país segue alegremente adormecido. Para o bem de Portugal, convinha que António Costa pensasse no crescimento económico e se convencesse de vez que sem economia não há país.