Muito se tem escrito a respeito da alteração legal que, em França, ditou que o Code du Travail (Article L2242-8, § 7) tenha passado a prever a obrigação de os empregadores regularem o exercício, pelos respetivos trabalhadores, do que se designou “direito à desconexão”.
O reconhecimento expresso de um tal direito é fruto dos tempos e da permanente conectividade: o uso eficiente da tecnologia representa inúmeras vantagens, não só para os empregadores, mas também para os trabalhadores, que passam a poder trabalhar mais facilmente à distância, fora dos limites físicos da empresa, assim se flexibilizando a execução do trabalho. Todavia, são também conhecidos os efeitos menos positivos desta constante acessibilidade. Cria-se um vício de visualização repetida de conteúdos e receia-se não responder na hora – seja a que hora for –, promovendo-se uma dependência que invade tempos que deveriam ser reservados.
Assumindo que esta prática se tem generalizado e que é causadora de prejuízo – para a saúde e vida privada –, o legislador francês concluiu que as regras existentes não eram adequadas e que, ao contrário do desejável, o bom senso nem sempre prevalecia. Em suma, não era possível ignorar mais o problema. No essencial, está em causa balizar adequadamente os períodos em que os trabalhadores não estão (ou não deveriam estar) obrigados à visualização de emails nem a dar resposta a questões profissionais. E assim ainda que tais solicitações surjam através de dispositivos eletrónicos disponibilizados pelo empregador.
Entre nós, as opiniões quanto à real utilidade da iniciativa francesa têm divergido: há quem refira que o “direito a desligar” nada traz nada de novo, entendendo que tais casos são já adequadamente resolvidos pelas regras que limitam o período normal de trabalho (diário e semanal) e que regem a fixação dos horários, aqui se incluindo o recurso à isenção de horário. Não creio, todavia, que assim seja: o legislador francês recusou desconsiderar uma questão que, não sendo nova, se tornou incontornável, impondo um ajustamento das regras laborais. Respostas legais claras são benéficas para todos: para os trabalhadores, que passam a conhecer os deveres que verdadeiramente os vinculam; e para os empregadores, que deixam de se deparar com opções não raras vezes discricionárias dos trabalhadores, de prestação desnecessária de trabalho, para lá do horário fixado.
A problemática soma-se a tantas outras, em que as normas não acompanham a velocidade da prática. E, a este respeito, os temas da organização do tempo de trabalho são especialmente fecundos. Basta pensar nas dificuldades operacionais que surgem na delimitação dos tempos de “disponibilidade” de trabalhadores que, embora não se encontrando fisicamente no local de trabalho, podem, se necessário, ser chamados a desempenhar a sua atividade à distância ou, em casos de maior premência, a deslocar-se ao respetivo local habitual de trabalho.
Dir-se-á que, nestes casos – no designado “trabalho à chamada” ou mesmo “de prevenção” –, o trabalhador não tem um “direito a desligar”, sob pena de incumprimento dos seus deveres laborais. Multiplicam-se, porém, as dúvidas de empregadores e trabalhadores: seja relativamente ao cômputo de um tal período de disponibilidade nos tempos máximos de trabalho (diário e semanal), seja quanto à remuneração que é devida – sendo certo que embora o trabalhador se encontre, nessas situações, limitado na sua autonomia, também não presta trabalho efetivo. Ora, também o “direito a desligar” suscita interrogações idênticas, não sendo mais possível resumir a atividade laboral a uma lógica binária – trabalho versus descanso: há cada vez mais zonas cinzentas, novos desafios que exigem respostas rápidas e adequadas.