Num artigo publicado na revista “Social Europe” (05/02), Mariana Mazzucato refere a importância das parcerias entre o setor público e privado.
Como já é seu hábito, a autora reforça o papel de um setor público capaz e bem habilitado que escolha a direção da mudança e que, em colaboração com o setor privado, a consiga implementar. Refere que se deve eliminar o mito da superioridade do setor privado face ao público e retomar uma narrativa de que o Estado pode e deve ser empreendedor, tendo a capacidade de criar riqueza de uma forma que (por motivos de escala e risco) o setor privado frequentemente não consegue.
Concordo inteiramente com esta perspetiva e com as implicações que pode trazer para o debelar da atual crise.
Por um lado, torna clara a importância do investimento público. Se este foi crucial nos grandes saltos ao longo da história (foi o Estado que providenciou a estrutura tecnológica que permitiu a revolução digital, por exemplo), se o foi também na grande crise de 29/30 (com o investimento público a ser o motor da recuperação) poderá sê-lo agora por maioria de razão. E já o está a ser no lado pandémico (o sucesso no desenvolvimento da vacina deve-se, em grande medida, a uma colaboração internacional público-privada, sem precedentes) mas terá que o ser igualmente do lado económico.
É verdade que a intervenção do Estado tem permitido manter a economia à tona, mas tem de se ir mais longe. O Estado tem de tomar as rédeas e antecipar o que aí vem. Tem que definir a missão, a visão e o caminho da recuperação e da mudança. Tem que provar-se empreendedor e arriscar, dar um salto em frente. Não pode assumir o papel que assumiu na crise de 2011 e resolver problemas depois de estarem instalados. Tem que ser um investidor de primeira instância e não um emprestador de última instância.
A importância do papel do Estado na mudança leva-me ainda a uma certeza: tem que haver um governo forte, com uma noção clara dos problemas, dos objetivos e dos instrumentos disponíveis.
Isto não é compatível com (o que tem estado na cabeça de muitos) um governo de salvação nacional. Em que medida um governo de iniciativa presidencial seria mais eficiente que o governo em funções (ou que qualquer outro)? Pelo contrário, mataria qualquer possibilidade de se definir um percurso, e serviria apenas para apagar fogos. Ficaríamos num estado de latência sem possibilidade de decisões de fundo. Não haveria decisões de risco, nem arrojadas. Ficaríamos adormecidos até o furacão passar. E em nome de quê? De uma estabilidade política com a garantia de aprovação dos Orçamentos do Estado? Para isso não é necessário um governo morno, basta que os partidos assumam as suas responsabilidades.
Até admito que, se a crise ainda não estiver ultrapassada, num cenário de eleições legislativas em que a esquerda não se entendesse para uma maioria ou que a direita tivesse de depender do Chega, se pudesse fazer um acordo em que o(s) partido(s) perdedor(es) se comprometesse(m) a abster na votação do OE, até à crise ser resolvida. Mas o caminho para o país, as decisões estruturantes, o assumir as rédeas viriam do partido vencedor. Com a sua ideologia, com a sua estratégia e preferencialmente com uma visão corajosa para um futuro diferente.