Ao contrário do que parece ter sucedido com parte dos utilizadores das redes sociais e demais plataformas, a entrevista com um dos donos da Padaria Portuguesa, no âmbito da qual este expressou o desejo de uma (ainda) maior flexibilização do Direito do Trabalho, maxime quanto às normas dos despedimentos e à eliminação de um período máximo de trabalho, não me surpreendeu.

Cliente irregular de alguns dos estabelecimentos que operam sob esta marca, não tenho quaisquer ilusões sobre o que querem, afinal e no final, os empregadores. Ao invés, o que me deixou atónita foi, por um lado, a “inocência” subjacente às afirmações proferidas e, por outro, as reacções absolutamente extremadas que, infelizmente, tive oportunidade de ler. Sob a justificação de que é melhor um péssimo a nenhum emprego, alguns dos comentadores defendem, aparentemente mais do que o visado, a abolição de quaisquer regras, como se só a escravatura, imagino eu que destinada a todos os demais que não os próprios, pudesse salvar o país.

A este título, importará que se assinale que, ao contrário do que se afirma reiteradamente, não existe qualquer demonstração de que a desregulamentação crie mais e, muito menos, melhor emprego. Contudo, mais relevante ainda me parece ser a particular circunstância de, em Portugal, a ineficácia de um controlo efectivo do cumprimento das ditas normas gerar um sentimento de total impunidade aos infractores. Em síntese, quantos e quantos trabalhadores portugueses têm um horário contratado de 40 horas semanais mas, na realidade, cumprem muito mais do que estas, sem receberem por isso? Não se desconhecendo a proibição dos despedimentos sem justa causa, quantos e quantos trabalhadores conseguiram manter o seu posto de trabalho quando a empresa decidiu fazer cessar, sem qualquer fundamento bastante, o contrato? De uma forma mais genérica, de que vale termos uma qualquer legislação se, na prática, é ignorada a cada passo?  Não será esta a verdadeira questão, consubstanciando a entrevista ao dito senhor um fait-divers?

Retornando à Padaria Portuguesa, o problema não está no facto de um dos seus proprietários afirmar pretender ter um regime mais favorável para os seus interesses. O problema também não reside num Estado que, mesmo após um período de legislação quase selvagem no que concerne ao Trabalho, se recusa a fornecer os meios para o seu controlo. O problema reside na maioria dos habitantes desta grande Casa Portuguesa, que é Portugal, cuja única capacidade de reacção assenta, nos dias que correm, na elaboração de um indignado post, quiçá, enquanto comem um croissant justamente nesta cadeia.

A autora escreve segundo a antiga ortografia.