No passado dia 21 de Janeiro foram muitas as manifestações, ou melhor, as “Marchas das Mulheres” em todo o mundo. Li algumas notícias sobre o assunto e estava especialmente interessada no que ocorreria nos EUA e em Lisboa, apesar de participar na que ocorreu em Londres, onde me encontrava nesse dia. Li as ironias nas redes sociais sobre a centena e pouco de participantes na iniciativa em frente à Embaixada dos EUA em Lisboa. Como se a mesma não tivesse relevância só por não serem muitos os manifestantes. Permitam-me discordar dessa leitura dos factos.

Primeiramente, e mesmo em Portugal, a “Marcha das Mulheres” não ocorreu apenas na capital. A Lisboa juntaram-se Braga, Coimbra, Faro e Porto. E, um pouco por todo o mundo, ainda que com o ímpeto da tomada de posse de Trump estas marchas tenham sido realizadas contra os seus ideais machistas (e outros) propagados na sua campanha, foram as agendas que se uniram nesse dia: desde os direitos das mulheres e das diversas minorias, à busca por uma sociedade mais igualitária, à protecção do meio ambiente, da Liberdade, da Democracia, do direito à saúde e à paz social, entre muitas outras perspectivas. Para os crentes numa sociedade actual sem valores (i.e., que não os deles) e em que a participação cívica e política está em decréscimo por causa, por exemplo, da Internet, estas marchas não deixam de ser, no mínimo, um desafio.

Em segundo lugar, porque as variadas manifestações com o mesmo mote ocorreram em mais de 60 países, registando-se entre 200 a 300 manifestações diferentes fora das fronteiras norte-americanas (dependendo das fontes de informação), vêm reforçar a ideia de que os EUA não são (ou não são ainda) uma potência em declínio ou de menor importância para o mundo. Como lugar de exemplo (não digo que bom nem mau, essa discussão seria muito longa e depende sempre de perspectivas e respectivas preferências pessoais e colectivas) este é ainda um país em que todos temos os olhos postos, e não, não é só pelo seu simbolismo, é pelo poder que daí emana.

Finalmente, sendo a participação em manifestações um objecto de estudo com longa e vasta produção nas Ciências Sociais, vários barómetros em diferentes latitudes têm demonstrado que os cidadãos que participaram em manifestações nos últimos anos são mais propensos a ir às urnas, sobretudo em eleições gerais. Claramente, as manifestações e respectiva adesão têm um impacto na participação política ao nível do número de votos e, logo, um potencial efeito nos resultados eleitorais.

Assim, conhecer melhor estas dinâmicas não é despiciendo para nenhum político ou partido em nenhum canto do planeta. Nem todos estes estudos representativos da população apresentam conclusões lineares. Contudo, quando consideradas características como a idade do eleitor na participação política, verifica-se um efeito positivo e forte da ida a manifestações no número de votantes: a participação nas últimas está ligada à propensão para se votar. O mesmo se verifica se pensarmos nos custos deste tipo de participação: ir a uma manifestação requer mais dedicação, tempo e antecipação, isto é, custos, do que ir votar; daqui pode inferir-se que quem está disponível para se manifestar terá menos dificuldades em se apresentar às urnas e fá-lo-á.

Dados sobre a “Marcha das Mulheres”, com a variação própria deste tipo de contagens, indicam que esta marcha em Washington terá sido a mais participada quando referido o factor temporal de um dia, caminhando assim, tête-à-tête, com as manifestações contra a Guerra do Vietname ou a invasão do Iraque. Mesmo para os mais cépticos estes episódios devem ser tidos em conta, pois as manifestações são mais do que cartazes e gritos.

A autora escreve segundo a antiga ortografia.