Foram recentemente divulgados os dados do abandono escolar precoce em 2016. Trata-se de um indicador estatístico que mede a percentagem de jovens, entre os 18 e os 24 anos, que chegaram ao mercado de trabalho sem o secundário completo e que não frequentam qualquer programa de formação. O indicador conheceu um aumento de 0,3 p.p. estabilizando nos 14%. Como outros, este tem a suas limitações estatísticas e não revela completamente as dinâmicas que estão a ocorrer no ensino em Portugal. De qualquer modo, o valor em causa significa uma estagnação da tendência de decréscimo que vem ocorrendo desde 2003, ano em que o indicador rondava os 41%. Em pouco mais de dez anos verificou-se um esforço assinalável de redução do abandono escolar precoce. Independentemente das diferentes políticas que marcaram os vários governos, este esforço deverá ser devidamente valorizado, sendo a expressão de um trabalho continuado desenvolvido pelo sistema de ensino e, sobretudo, pelas escolas e seus profissionais.
Contudo, é importante refletir sobre a situação atual e quais os fatores que poderão ter contribuído para esta eventual estagnação. Duas explicações plausíveis têm sido avançadas: a) o aumento das taxas de reprovação no ensino básico e secundário que aconteceu anos letivos de 2011/12 a 2013/14, resultantes das políticas educativas do anterior governo; b) o aumento do emprego e a diminuição do desemprego jovem que ocorreu entre 2015 e 2016, resultante de alguma dinamização que tem provocado uma certa recomposição no mercado de trabalho. É perfeitamente expectável que estes dois motivos tenham levado algumas centenas de jovens a abandonar a escola ou a formação em que estariam inscritos. Se assim for, é importante retirar várias ilações destes dados para o futuro das políticas de educação e de formação em Portugal.
Primeiro, deve-se sublinhar de forma muito vincada que os elevados níveis de retenção (quando comparados com outros países) representam ainda um grave problema do nosso sistema de ensino que urge resolver. Infelizmente, na governação anterior deram-se passos atrás neste desafio na medida em que se optou por um modelo de avaliação seletivo assente fundamentalmente nos resultados dos exames nacionais obtidos pelos alunos no culminar de cada ciclo de ensino.
Segundo, parece claro que se o abandono escolar é muito sensível às lógicas do mercado de trabalho, por mais ténues que sejam. Isso deve-se ao facto da oferta educativa e, sobretudo, dos cursos de formação profissional não estarem a dar a devida resposta às aspirações de certos alunos. Isto é particularmente relevante entre indivíduos oriundos de famílias mais pobres e com carência de recursos económicos, onde a necessidade de rendimento suplementar se torna numa prioridade que se sobrepõe ao investimento continuado na escolarização. Esta realidade continua a ser muito marcante num país onde os níveis de desigualdade de rendimentos se mantêm em patamares bastante elevados.
Terceiro, sabendo que parte significativa do emprego que se está a criar tende a ser precário e, em muitos casos, pouco qualificado, pode depreender-se que muitos dos jovens que abandonaram a escola ou a formação o fizeram para exercer trabalhos instáveis, sem proteção social e com baixos salários. E este é, sem dúvida, o dado mais preocupante: nestes jovens a precariedade está a ganhar em relação à escolaridade e isso é inaceitável.
Quarto, a resposta política não está em conceber cursos e estratégias de ocupação para os jovens que encubram o desemprego e reproduzem as piores práticas empresariais de promoção do trabalho precário e sem direitos. Os programas do anterior governo, por via dos quais se subsidiaram milhares de estágios em empresas, foram devastadores a este respeito. Como referiu João Ramos de Almeida num post recente, “relembre-se que, só entre 2011 e 2015, as empresas e entidades receberam 770 milhões de euros de estágios-emprego e mais 137 milhões de euros em contratos emprego-inserção. E mais 366,9 milhões para apoios à contratação. Ou seja, em cinco anos receberam 1270 milhões de euros de recursos públicos para usar mão-de-obra barata!” Esta política contribuiu para incentivar e generalizar ainda mais a precariedade, levando a que muitos jovens circulassem de estágio em estágio sem qualquer garantia de obtenção de um contrato de trabalho permanente. E sabemos que grande parte destes estágios se resume a tarefas altamente desqualificadas e pouco gratificantes do ponto de vista profissional.
Quinto, exige-se assim uma política de formação que eleja a escola como o espaço primordial onde se desenvolvam modelos educativos promotores da qualidade e do enriquecimento curricular dos alunos. Mas este deverá ser também um espaço de cidadania onde as más práticas que proliferam no mercado de trabalho não podem ser replicadas. Não deve ser a escola a adaptar-se ao mercado de trabalho, pelo contrário, este é que se deverá adaptar aos requisitos de qualidade e de cidadania promovidos pelo sistema público de ensino. Ou seja, a seletividade ao invés de ser canalizada para a diferenciação precoce entre alunos deve ser dirigida para a eleição das melhores empresas cuja atividade premeie a qualificação e as condições laborais estáveis e protegidas. Torna-se necessário implementar um código de conduta de boas práticas empresariais que oriente a parceria entre o sistema de ensino e as empresas que contribuam para a formação profissional e educacional. Na verdade, não é qualquer empresa que está ao nível do bom trabalho desenvolvido pela escola pública.