A última teoria que li sobre a vitória de Trump naqueles três ou quatro estados ditos “rurais”, que lhe deram os delegados necessários para assegurar a eleição, é sobre a posição do nome do candidato nos boletins de voto.

Nesses estados, o nome de Trump aparecia em primeiro lugar. Segundo a teoria, os eleitores pouco informados ou indecisos votam no nome que está impresso no topo. Assim, ao menos, pensarão com a pouca informação que possuem, houve um critério objetivo. Terá sido o caso de alguns dos 70 mil eleitores que nesses estados lhe deram a maioria.

Outra teoria repousa sobre aquilo que se costuma designar em psicologia por “reforço das convicções”. A campanha de Trump limitou-se a martelar rumores e ideias feitas, muitas delas falsas ou não apoiadas em factos, iludindo os eleitores de que partilhava com eles as suas opiniões e fantasmas como, por exemplo, sobre o poder ainda supostamente descontrolado de Wall Street.

Verifica-se agora que a sua ação legislativa desreguladora vai precisamente aumentar ainda mais o poder dos chamados “um por cento”, os seus amigos bilionários. Há quem lhe chame a instalação da cleptocracia associada ao autoritarismo, quiçá despotismo, de que a guerra aos media (“inimigos do povo”) e ao almejado controle da Internet são a mais perigosa expressão. Como na Rússia que, aliás, reconhece-se agora com clareza, teve um papel eventualmente pequeno mas decisivo e inesperado no resultado da eleição.

Outra teoria relaciona-se com a obliteração da racionalidade na tomada de decisões a favor da tomada de decisões baseada em condicionamentos sociais. Ou seja, em termos simples, as pessoas decidem em função do que pensa o seu grupo social e não do que eventualmente a sua própria razão ditaria. Também há quem lhe chame a “teoria do rebanho”.

Resulta das duas anteriores uma outra teoria, e tem a ver com o enorme impacto que terão tido mensagens tailor made e targeted, isto é, produzidas com precisão psicográfica individual – obtida a partir de posts colocados no Facebook e outras interações online –, e dirigidas certeira e repetidamente a milhões de eleitores. Essas mensagens, muitas delas com notícias falsas, reforçando convicções conhecidas, terão persuadido os “rurais” a votar em Trump. A empresa britânica que se especializou nesta atividade comercial mas perniciosa pertence a um bilionário americano, amigo do ex-líder dos extremistas de direita britânicos, e já tinha atuado gratuitamente e com idêntico êxito na campanha pelo Brexit.

Não conheço o conteúdo das mensagens, mas admito que muitas terão tido como assunto principal a questão da segurança das pessoas. Os temas do costume: a imigração, a globalização, Wall Street. O problema é que a insegurança, percebida ou real, não advém desses temas, mas de outros muito mais perigosos.

Sabe-se a que a imigração é necessária e tem um efeito positivo na economia e nas finanças do Estado, que a globalização é responsável pela perda de postos de trabalho em pequena percentagem e localizada em bolsas geográficas, que a legislação de Obama pós-2008 para conter os excessos de Wall Street está a funcionar.

Algumas das medidas prometidas por Trump estão a revelar-se completamente falsas. Por exemplo, o prometido investimento em infraestruturas não se vai realizar, o que prejudicará, em particular, a chamada classe média que votou em Trump. Teme-se que, quando perceberem que foram no engodo, reajam mal.

Mas os factos revelam que muitas pessoas, nos EUA como na Europa, se sentem, com ou sem razão, inseguras ou mais inseguras. A verdade é que, desde 2008, o mundo mudou. Isso não foi devidamente reconhecido pelos poderes instalados e a complacência de 70 anos de paz tomou conta das políticas e pensamento dominantes.

Com a mudança da política de Putin desde as primeiras manifestações na Praça Maidan para ação ofensiva, aplicando novos métodos designados por “guerra indireta” ou “guerra híbrida” em vários teatros, com a suicidária decisão de eleitores britânicos de abandono da União Europeia e com o assalto à Casa Branca pela trupe de Trump, o mundo é mesmo muito mais perigoso. Há ainda que contar com o expansionismo iraniano e a imprevisibilidade do louco de Pyongyang, e pelo grande aumento dos orçamentos militares – política praticada há anos por Moscovo e agora também anunciada por Pequim e Washington.

Temos as nossas razões internas, bem mais comezinhas e que ocupam toda a nossa atenção, para nos sentirmos inseguros: BPN, Banif, Espírito Santo, PT/Oi e todos os casos de corrupção com nomes giros que ainda estão por ir a julgamento, e agora a CGD e os milhares de milhões que saíram do país sem pagar impostos e em que incrivelmente ninguém reparou, nem no Governo nem na burocracia do Estado. Ora, este estado de coisas prejudica seriamente a esmagadora maioria dos portugueses. Temos de acabar com a anarquia que permite o desmando e dedicar-nos a garantir a integridade da democracia e das liberdades, assegurando a segurança e equidade política, social e económica dos cidadãos, assim como a dignidade externa do Estado português.