O Estado Social ou de Bem-Estar, a sua sustentabilidade, reforma ou desmantelamento tem estado no centro do debate político em vários países europeus. Há os que defendem que no contexto global actual, com a competição dos países emergentes, ele tem que ser adaptado, reduzido ou mesmo desmantelado. Outros defendem que ele (ou o que resta dele) deve ser preservado como marca distintiva europeia, uma conquista civilizacional. Neste debate importa esclarecer as condições económicas e políticas que permitiram o desenvolvimento do Estado Social em vários países europeus no pós-guerra:
- A destruição humana e material resultante da Segunda Guerra Mundial, a Guerra-Fria e a afirmação da União Soviética como potência mundial. A memória recente da instabilidade económica, conflitualidade social e o sofrimento da guerra incentivaram o desenvolvimento de um modelo social menos injusto. As classes dominantes na Europa compreenderam que ou faziam concessões aos trabalhadores em matéria de direitos e melhorias sociais ou corriam o risco de serem confrontadas com uma revolução e uma perda total de privilégios. A parte que lhes coube dos custos dos Estados Sociais foi o preço que pagaram pela paz social.
- A troca desigual e a dependência dos países do Sul global. As independências formais não acabaram com a exploração. O domínio directo foi substituído pelo domínio indirecto dos mercados, das multinacionais e sobretudo das dívidas. Através do comércio mundial, os países ex-coloniais pagaram parte do êxito dos países capitalistas avançados do pós-guerra. Como salienta Tony Judt no livro “Pós-Guerra. História da Europa desde 1945” (Edições 70, 1ª Edição de 2006) nos chamados “Trinta (anos) Gloriosos” os custos das matérias-primas e dos alimentos importados do mundo não ocidental baixaram regularmente, enquanto o preço dos bens manufacturados continuou a aumentar. Foram três décadas de trocas privilegiadas e desiguais com o “Terceiro Mundo”.
- Foi uma época em que era praticamente consensual que o Estado faria sempre um trabalho melhor do que o mercado sem restrições. A fé no Estado era generalizada. Também por isso o Estado cresceu e a despesa pública aumentou. Tony Judt (2006) apresenta-nos alguns dados a esse respeito: entre 1950 e 1973, a despesa governamental cresceu de 27,6% para 38,8% do Produto Interno Bruto em França, de 30,4% para 42% na República Federal Alemã, de 34,2% para 41,5% no Reino Unido, e de 26,8% para 45,5% na Holanda. Na Dinamarca e na Suécia a parte do rendimento nacional para a segurança social cresceu 250% e na Noruega triplicou.
- Foi também uma época de forte crescimento económico e de crescente produtividade (os factores apresentados atrás contribuíram para isso). Segundo Tony Judt (2006) entre 1950 e 1980 a produtividade laboral cresceu três vezes a média dos oitenta anos anteriores. Considerando o cada vez maior número de pessoas em actividade, houve um acentuado aumento de eficiência e grandes melhorias nas relações de trabalho. Houve ainda uma mudança profunda na natureza do trabalho, de um trabalho maioritariamente agrícola para um trabalho na indústria e nos serviços.
Na actualidade, com a arquitectura financeira e económica existente à escala global (com destaque para os infernos fiscais) e na União Europeia (com destaque para o Euro) não será uma ilusão acreditar na manutenção (e expansão a outros países) do Estado Social? Até que ponto o Estado Social não foi um estado de excepção no quadro do desenvolvimento capitalista global? Uma coisa parece clara: são necessárias mudanças significativas na organização económica e financeira global para garantir a sustentabilidade do Estado Social e o seu desenvolvimento em outros países.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.