É possível uma empresa de serviços públicos municipais gerar lucro e simultaneamente satisfazer os seus utentes? Faz sentido discutir se os serviços de utilidade municipal devem ser efectuados pelo sector público ou privado?
Por breves momentos, deixem-me transportar-vos para o outro lado do Atlântico, mais precisamente para a bela cidade de Medellín, província colombiana de Antioquia, o país outrora conhecido por El Dorado. Há pouco mais de 20 anos Medellín era quase uma cidade perdida, esventrada pela violência do narcotráfico, submetida ao famoso cartel de Don Pablo Escobar. Em menos de duas décadas, a comunidade empresarial antioquena, que tanto me recorda os empreendedores do Norte de Portugal de antanho, uniu-se com a sociedade civil no propósito de recuperar a cidade e, actualmente, Medellín é considerada uma das cidades com melhor qualidade de vida em todo o continente, em virtude do seu dinamismo económico, serviços e equipamentos, transportes públicos, ambiente e segurança (em 2016, Medellín foi agraciada com o prestigioso galardão Lee Kuhn Yew City Prize).
Tudo isto para contextualizar a empresa de serviços públicos de Medellín, EPM (Empresa Publica de Medellín), criada em 1959, detida pelo município, com património autónomo e independência financeira e administrativa. Esta empresa serve uma população metropolitana de cerca de 3,5 milhões de pessoas, assegurando os serviços de abastecimento de água, electricidade, gás, recolha de lixo e tratamento de resíduos sólidos e efluentes, limpeza urbana e telecomunicações.
A EPM gera um EBIDTA anual de 1.177 milhões de euros, uma margem de EBITDA de 23%, com um rácio de Dívida/EBIDTDA de 4,35 e um rating Moody’s de Baa3 (superior ao da República de Portugal em 1 nível). Agora pasmem-se os leitores, a EPM todos os anos entrega dividendos ao seu accionista, sob a condição de serem utilizados exclusivamente para investimentos sociais e o restante para reforçar capitais próprios, para suportar o seu programa de investimentos nos equipamentos municipais, mas também para comprar activos noutras partes do país e até no estrangeiro (presente no Panamá, México e Chile, onde recentemente adquiriu a empresa Águas de Antofagasta).
Agora a sério, conseguem mesmo imaginar uma empresa de serviços públicos municipais, que ano após ano gera consistentemente lucros, os reinveste criteriosamente em activos rentáveis e já se tornou numa pequena multinacional (aqui chamam-lhes multi-latinas)? Mais importante, os habitantes de Medellín que pagam os serviços da EPM sentem-se extremamente bem servidos e orgulhosos da sua empresa municipal!
Penso nas eternas discussões que no nosso país suscitam infindáveis e estéreis controvérsias entre políticos e opinião pública sobre qual o melhor modelo de gestão para os serviços públicos (utilities, transportes, saúde, etc.) – se o público ou o privado. Pois bem, o exemplo da EPM permite concluir que o debate está errado na sua génese e propósitos. O sucesso na gestão depende essencialmente do modelo de governação que vier a ser adoptado e que permita enquadrar uma equipa de gestão profissional, independente, com autonomia na definição clara de objectivos e na implementação de um plano de acção sustentável, social e economicamente, possibilitando uma correcta avaliação de desempenho por órgãos independentes e que, finalmente, premeie um comportamento ético.
A questão não se deve pôr em termos de sector público ou privado, mas sobre como se pode institucionalizar uma cultura de gestão profissional, independente de interesses políticos, centrada em bem servir a população e, já agora, os contribuintes agradecem, capaz de gerar lucros pelo caminho. Afinal, como a EPM demonstra todos os dias, é possível e não é pecado!
O autor escreve segundo a antiga ortografia.