Portugal está velho. Há muito que as estatísticas demográficas indicam um progressivo envelhecimento da população, situação que se agravou ainda mais com a emigração de dezenas de milhar de jovens trabalhadores que saíram à procura de melhores oportunidades. Por mais paradoxal que seja, ao mesmo tempo que a população idosa se torna preponderante nas estatísticas, encontra-se cada vez mais arredada do espaço público, perdendo visibilidade.

Nas maiores cidades, como Lisboa, os mais idosos vão assistindo à transformação dos seus bairros. Ora são os prédios e as ruas que estão sempre em obras, ora são as pessoas vindas de muitas bandas do mundo que não param de circular: entram e saem das mesmas casas num corrupio diário. Tanto movimento, tanta gente, tantas línguas que não percebem… O bairro de sempre tornou-se quase irreconhecível e parece ter abandonado os antigos moradores.

Nas aldeias, em contrapartida, o tempo passa esquecido sem se ver viva alma. Os vizinhos vão desaparecendo e os que ficam, mesmo que queiram, já não conseguem ir para lado nenhum. “Agora daqui só para o cemitério”, diziam-me há uns anos no decorrer de entrevistas que desenvolvia para um estudo sobre o meio rural. Esta expressão recorrente era por vezes dita com um sinal que apontava em direção ao local da última morada, “ali mesmo, está a ver”. A presença daquele lugar reforçava ainda mais a certeza de ficar. Os nossos idosos vão sendo esquecidos quer nas aldeias paradas, quer nas cidades hiper-movimentadas. Não fazem parte dos circuitos da informação nem das redes sociais. E, normalmente, só aparecem nos media pelos piores motivos: o incêndio que atormentou a aldeia, ou o prédio antigo do centro histórico que ruiu…

A geração que agora está na casa dos 80/90 anos foi das mais sacrificadas do país, nasceu e cresceu com o fascismo que a impeliu para o analfabetismo ou para uma escolaridade residual, apanhou a guerra civil de Espanha, foi contemporânea da Segunda Grande Guerra e viu os filhos rumarem para a guerra colonial. Calejou as mãos nos campos e nas fábricas auferindo baixos salários, sem proteção e a possibilidade de descontar para uma reforma decente. Com a chegada tardia da revolução em 1974, já não teve grande chance para se qualificar e ascender um pouco mais. Tratou dos netos, ajudou os filhos.

Felizmente, com o Estado social, a segurança social alargou-se: vieram as pensões mínimas e as pensões rurais,  veio o Serviço Nacional de Saúde. A velhice foi assim um pouco mais amparada. Com os cuidados continuados de saúde a vida prolongou-se um pouco mais, mas nem sempre com a qualidade desejada. Infelizmente, o Estado não investiu devidamente numa rede pública de lares e de centros de dia. Por sua vez, o apoio domiciliário depende da capacidade financeira de cada autarquia e da atuação diferenciada das várias redes de instituições de solidariedade social.

Um dos maiores amparos dos nossos idosos são os centros e saúde e os hospitais. Aconteça o que acontecer haverá sempre uma sala de espera aberta onde, por vezes, se espera demasiado tempo em cadeiras desconfortáveis. Mas sabe-se que no final alguém há-de vir tratar e cuidar. E, enquanto se espera, conversa-se e contam-se histórias de outros tempos, apesar do sofrimento do momento. Histórias que se reptem e fazem parte do quotidiano destas instituições e que não se evaporam nas redes sociais. É como se o Estado social fizesse comunidade a partir de laços e das familiaridades que se vão partilhando todos os dias.  Em parte é também essa capacidade de fazer comunidade que contribuiu para a sua extraordinária resiliência, adaptando-se ao impacto da crise e dos cortes que ocorreram nos anos mais recentes.

Todavia, com o encerramento ou privatização de algumas instituições, estes espaços estão cada vez mais circunscritos e muitas vezes não são mais do que repositórios desconfortáveis de sofrimento. Uma espécie de último reduto dos quais o Estado e a cidade não podem desistir e voltar as costas. É, por isso, função das políticas públicas perceber a sua importância para a vida da população mais idosa de forma a investir na sua maior humanização e bem-estar.

Obviamente que as salas de espera não concorrem com as ruas da cidade. Pois ao contrário daquelas as ruas vivem mesmo das histórias que esperam e que marcam o curso do tempo das suas comunidades. Torna-se assim determinante que os centros urbanos não se transformem gradualmente em lugares vazios apesar do enorme corrupio diário. A vida da cidade precisa que as ruas públicas continuem a ser habitadas pelos seus idosos.