Quando, no filme “Matrix” (1999), Morpheus dá a escolher a Neo o comprimido azul ou o vermelho, a cena estava a retratar não uma ficção, mas um pedaço da história da humanidade, nomeadamente a escolha entre uma vida mais despreocupada, baseada no “seguidismo”, ou uma vida de decisões conscientes e de auto-afirmação.
O problema é que, tal como na natureza, o movimento flui sempre pelo caminho do menor esforço, logo é fácil vender o despreocupado otimismo inconsciente.
António Costa afirmou, e bem, que Portugal tem tido um enorme défice estrutural de qualificações, o que impede o crescimento pela inovação, logo, achou por bem reforçar a estrutura de formação. Para um otimista inconsciente está resolvido o problema e estamos no bom caminho.
Esta medida é apenas mais uma, sem o essencial enquadramento estratégico, predestinada à ineficácia. A começar por não resolver o problema da literacia, um conhecimento essencial e de pré-qualificações, em que Portugal é ainda mais deficitário, e que condiciona a procura pelas qualificações por parte de quem precisa.
Depois não responde ao problema principal. Costa quer formar pessoas sem criar os empregos que irão permitir pôr essas valências em prática. Para piorar as expectativas, o mercado laboral está nos primórdios de uma transformação potencialmente mais disruptiva que a Revolução Industrial.
Da robotização, digitalização e inteligência artificial surgem catadupas de perguntas sem resposta para os problemas que estes irão provocar no mercado laboral. O filme “Hidden Figures” (2016) retrata a participação das mulheres negras no programa espacial da NASA, nomeadamente na secção de cálculos matemáticos. Um momento chave ocorre quando um computador IBM, daqueles que enchiam uma sala enorme, chega para fazer o trabalho de todas elas em poucos segundos.
Felizmente que uma, a supervisora informal, pensou estrategicamente em antecipação e fez por aprender primeiro e depois formar as restantes, na linguagem (Fortran) para programar o dito IBM. Resultado? Todas mantiveram o seu posto de trabalho, embora a fazer algo diferente.
Essa história coincide com outra anunciada há poucos dias. Curiosamente o intérprete é o mesmo, a IBM, que pretende começar a vender a breve trecho os chamados Quantum Computers, milhões de vezes mais rápidos que os atuais. Existe contudo uma diferença colossal para o primeiro caso: embora numa fase inicial já se esteja a pensar na nova linguagem de programação, o certo é que num curto espaço de tempo poderá ser a inteligência artificial a fazer essa mesma programação, retirando aos humanos esses postos de trabalho.
Outro exemplo da transformação do mercado de trabalho foi uma notícia que deu conta de um software da J.P.Morgan que faz, em segundos, o mesmo que 360.000 horas de trabalho humano.
A realidade é que já hoje é evidente que muitos estudantes não terão empregos para utilizar os seus cursos de eleição. Nada está a ser feito para acautelar esse problema ou sequer a criar as qualificações para os empregos de futuro, que serão fortemente disputados por um mundo sedento de um posto de trabalho. Recordo que, só em 2016, a China “produziu” quase tantos licenciados quantos os cidadãos que habitam Portugal.
Os desafios são por isso imensos e para os enfrentar é necessária uma estratégia integrada de literacia e qualificações, mas também a criação dos postos de trabalho do futuro, ou não passaremos de um país com muitos canudos e poucos empregos.