Numa recente entrevista, Cavaco Silva afirmou que quatro maiorias absolutas eram o suficiente para lhe preencher o ego. A pergunta que lhe deveria ter sido feita era se o mesmo ego aguenta algumas das condecorações que atribuiu, entre as quais as de Zeinal Bava e de Henrique Granadeiro (e, bem assim, as que negou, como a Salgueiro Maia). Quero crer que, independentemente da sorte que aqueles venham a merecer em termos judiciais, justificava-se indagar sobre quais os méritos que terão determinado tais escolhas.

Sucede que o que ora se suscita não apenas não lhe foi de imediato apresentado como também não lhe foi dito que a publicação do livro que esteve subjacente à entrevista se trata de pouco mais do que um “ajuste de contas”, o qual, segundo Eça, se resolveria melhor “à bengalada” no Chiado.

Ao contrário dos que agora prestam loas a Cavaco Silva, não esqueço a insistente confusão entre políticas públicas e interesses privados, ocorrido nos seus (tal como nos de outros) mandatos, sobre a qual pouco se fala hoje, entretidos que andamos com o prato que nos servem ao jantar.

Estamos condenados não apenas a uma classe política que parece atrair os piores entre os já francamente maus, como a assistirmos a este triste espectáculo em que se converteram os telejornais, plenos de reportagens sobre (pretensos) factos requentados, cuja única síntese que admitem é percebermos que, sejam uns, sejam outros, a lama cobre (quase) todos.

Ao mesmo tempo que offshores se desvaneceram, milhões foram transferidos a título de fees sobre negócios que não se concretizaram, aos portugueses era dito que tinham vivido acima das suas possibilidades e que importava agora “cortar gorduras”, isto é, cobrar às classes média e baixa, entre outras coisas, o que estes senhores andaram a fazer. No meio disto e como se não bastasse, sabe-se agora também que uns “jotinhas” usaram dinheiros públicos em proveito próprio, como se o nosso único destino fosse alimentar os apetites de uns e de outros, comme il faut numa alegada democracia, em que tudo se pode, desde que discretamente.

Porque os tempos parecem mais brandos, em larga medida mercê de uma aposta forte no marketing, parte de nós parece ter esquecido o que de muito se sofreu e resigna-se a um papel de mero espectador de um filme de baixo calibre, cujo final nunca será um happy ending  a não ser, eventualmente, para os visados.

Os Portugueses parecem, pois, ter-se destinado ao papel de meros serviçais, aos quais é dada permissão para assistirem, a espaços, aos devaneios dos seus senhores, competindo-lhes, no final, limpar os despojos. Confesso, é algo a que não me resigno.

A autora escreve segundo a antiga ortografia.