Submissão é o título de um magnífico romance do escritor francês Michel Houellebecq (muito atual, diga-se), mas é também uma palavra que caracteriza bem a relação que os cidadãos têm com o Estado português, principalmente em algumas das suas vertentes mais importantes e agressivas, como por exemplo o Fisco e a Justiça.
Portugal só terá uma administração pública à altura de um país democrático de primeiro mundo, quando exigir tanto daquela como exige dos particulares no cumprimento da Lei e quando conceder a estes alguma igualdade de armas nos seus conflitos com o Estado. É uma cultura de exigência transversal que faz os países progredirem e não a cultura vigente por aqui de complacência com a Administração Pública.
Vivemos ao abrigo de uma presunção de inocência do Estado. Neste, prestam serviço, com sacrifício, os “bons”, os que prosseguem o “bem comum”, os que “nunca têm dúvidas e raramente se enganam” e, no outro lado, estão os “maus”, os infratores que, com ganância, vivem para lesar o bem comum.
Não raras vezes, para defender a prevalência da Administração, apela-se perigosamente mais a conceitos morais do que à Lei. Não terá sido por acaso que, numa interessante entrevista de vida, um importante juiz, perguntado se as pessoas deveriam ter medo de si por ter muita informação, respondeu que “não”, recorrendo à Lei Moral de Kant em vez da Constituição da República Portuguesa.
Ao abrigo desse espírito de “fazer o bem” e “perseguir o mal” quase tudo se permite aos representantes do Estado: exige-se dos contribuintes o pagamento em prazo das suas obrigações, mas permite-se que o Estado pague quando lhe dá jeito; concede-se uma força brutal ao fisco para liquidar impostos e penhorar património, mas dificulta-se brutalmente a impugnação dos seus atos. Já no sistema de Justiça o tratamento é também profundamente desigual e injusto. É-se complacente com a permanente violação do segredo de justiça sempre em prejuízo dos arguidos “súbditos”, perseguindo-se na melhor das hipóteses o jornalista “mensageiro” e deixando-se sempre a salvo a sua fonte; aceita-se o absurdo de defender que prazos legais existem, mas só são obrigatórios para os “súbditos”, tolerando-se, pacificamente, que um cidadão possa ser arguido anos e anos sem uma acusação.
A justificação para os permanentes abusos é sempre a de que um valor mais alto deve prevalecer, normalmente caracterizado por “interesse público”. Um Sistema de Justiça moderno, para todos e não apenas corporativista, não pode aceitar nem tolerar que “interesses públicos” atropelem os equilíbrios democráticos de uma sociedade e que violem a dignidade de um cidadão que seja.
Um Estado democrático deve reger-se pela Lei e nada mais que a Lei e deve ser esta a incorporar o interesse público, para que o mesmo não se torne num perigoso conceito vago, interpretado conforme seja mais conveniente pelos diferentes representantes do Estado.