Por definição, dogma, em filosofia, é uma crença que não admite contestação. A crença de que a austeridade é a solução purificadora para os males da nossa economia e que é a panaceia para todas as suas doenças tem sido, da parte de alguns dos nossos mais célebres economistas, uma atitude claramente dogmática. Sendo uma atitude dogmática, não pode aceitar outra qualquer solução que conteste ou ponha em causa a crença inicial. Assim, quando com outros instrumentos e com outra definição de política se conseguem resultados positivos no crescimento, no deficit e no emprego, só pode mesmo ser um milagre.

Da mesma forma, é incontestável a crença (geralmente defendida pelos mesmos economistas) de que o investimento público tem um efeito “crowding out” do investimento privado, i.e., empurra este último para fora da economia. Com base nesta crença, o investimento público é nefasto. Não só ataca o equilíbrio das contas públicas como se substitui ao investimento privado. Ora, cada vez mais parece evidente a alguns de nós (menos célebres economistas) que o investimento público é complementar ao investimento privado.

Na linha do que tem escrito Mariana Mazzucato, o investimento público é, em muitas situações, condição necessária para a existência de investimento privado. Com alguma flexibilidade das instâncias europeias, e com algum poder negocial (que o nosso primeiro-ministro tem dominado com mestria), este mesmo investimento pode ser posto de lado para efeitos de contabilização do deficit agora que saímos do procedimento por deficit excessivo. Assim – e voltamos ao campo dos milagres –, podemos ter investimento público que não nos atrapalha as contas públicas e que fomenta e cria investimento privado.

Na maioria dos casos, o dogmatismo económico assenta em modelos teóricos complexos que preveem determinadas dinâmicas e determinadas relações entre as variáveis. A realidade deve reagir de acordo com a receita dos modelos e qualquer outra alternativa ou prescrição é descabida de sentido.

Noutros casos, o dogmatismo não tem nenhum fundamento teórico e é apenas uma crença mais ou menos injustificada e, frequentemente, baseada na ignorância: por exemplo, a convicção aparentemente inabalável de Donald Trump na inexistência de aquecimento global. Acredita e ponto.

Mas, em qualquer dos casos, com mais suporte teórico ou pura e simplesmente por ato de fé, estas crenças têm algo em comum e daí lhes chamar dogmas: são inabaláveis e não admitem contestação. Claro que, por vezes, a realidade não bate certo com a crença: as políticas do governo PS têm permitido crescimento com contas públicas saudáveis; os países europeus que não destruíram o investimento público continuam a ser os países com maiores níveis de investimento privado e em 2016, bem como nos primeiros meses de 2017, temos assistido a um aumento da temperatura, sem precedente.

A conclusão é por isso evidente: ou estamos a falar de milagres ou a realidade está claramente errada e temos que procurar factos alternativos!