O relatório anual do Banco Central Europeu de 2016 alerta para a deterioração significativa da qualidade dos ativos bancários após o início da crise financeira. Ao nível dos empréstimos que se encontram, ou estão perto de entrarem em incumprimento, Portugal está em quarto lugar nos países sob supervisão do BCE. “O rácio de créditos não produtivos é persistentemente elevado em países como o Chipre (47%), Grécia (37%), Itália (17,5%) e Portugal (12,4%)”, diz o BCE.
“O principal fator impulsionador da deterioração da qualidade dos ativos bancários na área do euro foi o setor empresarial, em particular o setor das PME e das propriedades comerciais”, avança o relatório.
Nos anos que antecederam a crise financeira vários países registaram um elevado crescimento do crédito e da dívida do setor privado, que foi acompanhado pela subida dos preços do imobiliário que multiplicou os efeitos da crise. Mas não foram apenas questões cíclicas que justificam o elevado stock de crédito malparado. Segundo o BCE os elevados rácios de crédito NPL (non-performing loans) e a sua persistência refletem fatores estruturais dos países. Nomeadamente: elevada dívida do setor empresarial; baixa produtividade e fraca competitividade externa; e fracas finanças públicas que aumentam os prémios de risco. É neste quadro que Portugal pertence ao clube dos países do euro com problemas persistentes de malparado.
O BCE diz ainda que, paralelamente, as reformas do mercado de trabalho nalguns países (para fazer face à segmentação e à reduzida flexibilidade) e os mercados imobiliários modestos, no que se refere a ativos que servem de garantia aos empréstimos, estão a afetar a recuperação de créditos no segmento de retalho.
“Por último, deficiências no quadro legal, mais concretamente quadros jurídicos ineficientes de execução de hipotecas e insolvência, a par de limitações na partilha de dados entre credores e o tratamento fiscal de renúncia à cobrança de créditos, estão a impedir a eficiência da recuperação de créditos não produtivos”, alerta o banco central.
O malparado põe pressão sobre os lucros dos bancos e leva ao aumento das necessidade de capital. O elevado crédito malparado afecta negativamente os custos de financiamento dos bancos por causa da deterioração do perfil de risco do banco. Isto cria um ciclo vicioso, pois por um lado os bancos precisam de capital para limpar os balanços (constituir imparidades) e por outro têm dificuldade em levantar capital.
Por outro lado, a nova concessão de crédito também exige mais capital e os bancos com mais malparado têm baixa rentabilidade e baixos níveis de capital. O BCE alerta ainda para o facto de alguns bancos com estes problemas estarem a operar fora da área do euro, e assim estão “exportar” os problemas, avisando também que a redução dos créditos não produtivos na área do euro melhoraria o crescimento económico.
O banco liderado por Mario Draghi espera uma retoma económica modesta para 2017 e 2018, pelo que “não é de prever que os créditos não produtivos diminuam significativamente no médio prazo, a não ser que sejam tomadas medidas adicionais”. O BCE diz que para reduzir os Créditos NPL é necessária uma estratégia abrangente.
“A Supervisão Bancária do BCE está a envidar esforços consideráveis no sentido de ajudar na resolução de créditos não produtivos. Desde a avaliação completa de 2014, o BCE continuou a apoiar as actividades de resolução de créditos não produtivos através do diálogo constate no Âmbito da supervisão com as instituições relevantes”, diz a instituição.
“Os bancos reforçaram significativamente as respectivas posições de capital nos últimos anos”, reconhece ainda o BCE.
Impacto das taxas de juro baixas
As baixas taxas de juros observadas ao longo de 2016 foram resultado de uma política monetária acomodatícia com o objectivo de salvaguarda de estabilidade dos preços.
“O inquérito aos bancos sobre o mercado de crédito na zona euro mostra evidências que o programa de compra de ativos do BCE, as ORPA direcionadas (a operações de refinanciamento de prazo alargado direcionadas) e a taxa negativa de facilidade permanente de depósitos contribuíram para termos e condições de crédito mais favoráveis em 2’16, o que levou a um aumento do crédito”, diz o relatório.
Através das ORPA direcionadas, o BCE concede empréstimos de longo prazo a bancos, oferecendo-lhes um incentivo para que disponibilizem mais crédito às empresas e aos consumidores na área do euro. Tal contribui para que a taxa de inflação regresse a níveis abaixo, mas próximo, de 2% no médio prazo.
Mas nem tudo são vantagens. A política de juros baixos teve um impacto negativo nos bancos. Nomeadamente pressão sobre a rentabilidade dos bancos (sobretudo por via da queda da margem financeira) e sobre a solvência das instituições que oferecem retorno garantido no longo prazo (seguradoras).
O BCE e o Comité Europeu de Risco Sistémico identificaram riscos quer para os bancos quer para as companhias de seguros e fundos de pensões. Mas esses riscos estão, segundo o BCE, relacionados sobretudo com os modelos de negócio das instituições e com a assunção de riscos.
“Os bancos devem continuar a ajustar os respetivos modelos de negócio e a melhorar a eficiência dos custos de modo a conservar os lucros”, diz o BCE.
Uma análise do BCE revela que o setor bancário continuou a avançar no sentido do negócio mais tradicional em 2016. O relatório fala ainda de uma passagem das atividades de banca de investimento e da banca por grosso (empresas) para atividade de retalho mais tradicionais.
Sobre os Fundos de Investimento o BCE realça o aumento da assunção de riscos, e diz que “embora os fundos de investimento da zona euro tenham permanecido resilientes às tensões nos mercados, as saídas de alguns fundos imobiliários no Reino Unido na sequência do Brexit demonstraram as vulnerabilidades dos fundos abertos (fundos que podem emitir um montante ilimitado de ações, e que os investidores podem resgatar em qualquer altura)”.
Destaque ainda para o fato do BCE reconhecer no seu relatório anual o contributo que deu a iniciativas regulamentares, tais como “resolver problemas de instituições grandes demais para falir” e criação de uma união de mercados de capitais para a União Europeia”.
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