Não há soluções simplistas de governação num mundo complexo. O aumento, a metamorfose e a aleatoriedade dos ataques terroristas embaraçam os serviços de inteligência e segurança. Os equilíbrios de poder e a sua geometria variável exigem um trabalho de análise e compreensão permanentes, e a acção dos governos em conformidade. As atitudes de ímpeto aparente, como o ataque americano à Síria são de consequências imprevisíveis.

O primeiro erro capital é a cegueira ideológica na condução dos Negócios Estrangeiros e na interpretação dos fenómenos que envolvem a segurança e o equilíbrio de poderes. Merece tanta consideração quem diz que temos de procurar em nós as causas dos actos terroristas, justificando e desculpabilizando o que é simplesmente criminoso e animalesco, como merece respeito intelectual quem acha que Trump resolve o que quer que seja a despejar mísseis na Síria. Esta não é uma guerra entre idealistas anti-americanos e justiceiros de gatilho fácil. A extrema-esquerda revisionista e a direita ultramontana não têm cabimento neste debate.

O segundo erro de palmatória é deixar as emoções e a indignação, que naturalmente toldam a opinião pública civilizada, contaminar o decisor político, ou este aproveitar o momento para fazer o que mais desprotege os interesses do Estado a prazo. Não há um ser humano normal que não fique com um nó na garganta ao ver as crianças assassinadas no ataque químico. Não há um homem digno da sua condição que não clame justiça. Mas, por muito que custe, o papel do governante é ponderar friamente o alcance e a eficácia das suas decisões. Primeiro, ligar irrefutavelmente Assad a mais este acto de barbárie, é condição essencial para a credibilidade de qualquer acção. Depois, e por muito que custe, é preciso pensar no que ninguém quer pensar: a que ponto a região e o mundo ficarão mais estáveis e previsíveis com a deposição de Assad? Tenho sérias dúvidas que o Iraque pós-Sadam seja melhor do que o Iraque de Sadam. Sadam era um tirano condenável, mas a aplicação da sua pena prejudicou mais o mundo do que o próprio.

O terceiro erro inaceitável, é a unilateralidade americana. O mundo unipolar acabou, a nova ordem é claramente multipolar, com a Rússia de Putin a crescer em influência de modo determinante. Menorizando com maus modos a Europa, afrontando sem tacto a China e quebrando a aparente sintonia com Putin, Trump ensaia um isolacionismo intervencionista nunca antes experimentado, por motivos óbvios.

O quarto erro mal intencionado é querer vender o ataque terrorista de Estocolmo, ou o martírio de Cristãos em duas igrejas egípcias como uma resposta ao ataque de Trump à Síria. É uma mentira de má-fé. Não houve tempo nem motivo directo para tal. O terrorismo islâmico continuará a destruir sem critério, a assassinar sem clemência, a abalar a sociedade, porque não tolera a civilização no seu todo, quer impor as trevas, obrigar à submissão da sua ortodoxia perversa e implacável. O choque é civilizacional, as vítimas mais directas serão os muçulmanos moderados e os cristãos que resistem naquela parte do mundo; as mais indirectas, mas mais visíveis, serão as que vão sendo atacadas no “território do inimigo infiel”, ou seja, todos nós.

Infelizmente, não há boas soluções, muito menos de curto prazo e de alcance eficaz. A aposta em informação e inteligência é essencial, e não duvido que já nos poupou a um número de mortes e devastação difíceis de imaginar. A aposta na defesa é urgente na Europa economicista, que apanha uma boleia de conveniência no logro dos movimentos pseudopacifistas dos anos 1970. A correcta percepção dos factores de estabilidade e de autoridade no Magrebe e Médio Oriente, e a sua preservação, por muito que possa colidir com alguns aspectos que temos por bons e adquiridos, é essencial para uma política de contenção e de combate do problema na fonte. O regresso da ONU ao papel que nunca devia ter alienado é, pois, fundamental. A aparente apatia de Guterres no quadro explosivo actual constitui, para mim, uma desagradável surpresa.

Por fim, o que não me canso de escrever. O regresso aos valores matriciais da Civilização Ocidental. Não é o projecto de desconstrução jacobina que fortalece a sociedade, não é o relativismo ético que lhe dá coesão, não é a perseguição a Deus que reforça o nosso carácter enquanto espaço de liberdade, respeito, humanidade. Não é matando a essência da nossa força que prevaleceremos.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.