Pela primeira vez em décadas, a democracia voltou a ser discutida. Resultados surpreendentes nas urnas, que lançaram em dúvida o que se pensava ser o melhor interesse das nações, levam alguns a questionar se o sistema democrático continua a ser o melhor que temos ao nosso dispor ou, pelo menos, como dizia Churchill, “o pior, com exceção de todos os outros”.

Os ditos populismos sempre tiveram o seu espaço, mas nunca mais do que isso. Tinha até uma certa graça ver personagens como Nigel Farage interpelar Durão Barroso no Parlamento Europeu e dizer-lhe na cara o que muitos pensavam. O problema foi que, de repente, os populismos passaram a ter um espaço bastante maior do que aquele que nos habituámos a vê-los ocupar. O Reino Unido decidiu abandonar a União Europeia contra a vontade das elites económicas e políticas do país e das da União. Os EUA elegeram Trump perante a estupefação geral. E estão à porta eleições em França, na Holanda e na Alemanha onde o populismo conquistou uma força difícil de imaginar e que poderá forçar a Europa a mudar para sempre o seu papel no mundo.

As consequências são obviamente preocupantes. O Reino Unido caminha para o isolacionismo económico e político, e para um possível maior empobrecimento da população. A UE está ferida e poderá enfraquecer-se ainda mais num futuro próximo. A garantia de paz e de prosperidade económica dos povos que sempre encerrou é hoje muito menos nítida e poderá definhar com ela. Trump bombardeou a Síria e o Afeganistão num curto espaço de tempo e parece preparar-se agora para a guerra com a Coreia do Norte. Tudo isto escolhido nas urnas.

Mas enganam-se os que consideram que isto fragiliza a própria democracia. Pelo contrário, nunca a democracia esteve tão forte. Mais do que questionar a legitimidade da vontade do povo – como alguns pretendem fazer –, seria preferível avaliar antes o que levou o povo a fazer estas escolhas. E talvez a resposta não seja assim tão difícil de encontrar. Se calhar o povo está a ser demasiadas vezes ignorado na forma como os países são governados. E o sistema democrático está apenas a sinalizar isso mesmo a quem governa.

Se recuarmos 2500 anos, à Antiguidade Clássica, Péricles, o maior defensor da democracia do seu tempo, tinha já claro o essencial do sistema democrático: “o Estado, entre nós, é administrado no interesse do povo e não de uma minoria”. Os pilares da democracia são a liberdade, o debate e a igualdade. Os cargos públicos e privados são atribuídos “em função do mérito e não da classe social”. “Os mais pobres não são afastados nem prejudicados se forem capazes de prestar bons serviços à comunidade”.

Será isto que os governos, um pouco por todo o Ocidente, em pleno século XXI, têm conseguido dar a quem neles vota? Se os povos têm pedido mudanças nas urnas é porque sentem que os governos não governam para eles nem protegem os seus interesses. E, em democracia, mais do que questionar a bondade do voto, faz sentido tentar compreendê-lo.