Se não sabeis, é chegado momento de aprenderdes, e da maneira mais dura, “the hard way”. Ou seja, à custa das vossas asneiras ou pior, dos vossos inconcebíveis e condenáveis comportamentos, que as redes sociais muito apreciam e consomem vorazmente. Parece que este desconhecimento vai de alto abaixo, do mais anónimo fã de andebol aos eleitos.

Nos últimos tempos têm aparecido na imprensa estrangeira artigos simpáticos mas bastante corretos sobre Portugal. Os britânicos Monocle e The Guardian descrevem Lisboa como paraíso cosmopolita “techpreneur”, e exageram: Lisboa consegue o que mais nenhuma cidade no mundo jamais conseguiu: ser ao mesmo tempo Silicon Valley e Miami. O problema são as outras notícias, as que os próprios portugueses produzem com cores desagradáveis e por vezes muito feias, mostrando o seu lado pior — o lado mais apreciado pelas redes. Juntamente com estatísticas incómodas, essas notícias, que por vezes de tão más mais parecem fake news, são maná para os forward e para os likes e fazem a imagem percebida como sendo a de Portugal perante milhões de pessoas.

Muitos portugueses estão distraídos e não repararam que Portugal deixou o confortável anonimato de pequeno país sem influência ou expressão. A adesão à Comunidade Europeia mudou para muito melhor a perceção que havia sobre Portugal, a ex-potência belicista colonial. A crise do défice e da dívida ajudou a destruir esse goodwill. As ainda frescas declarações do senhor Presidente do Eurogrupo Jeroen Dijsselbloem ajudaram a confirmar que o sulista preguiçoso não é apenas um estereótipo malicioso. É mesmo verdade.

O outro lado da moeda, o lado positivo, foi ajudado pela popularidade ou reconhecimento internacional de algumas pessoas. Começou pelo topo, com Mário Soares. Depois, e com alguns portugueses a serem eleitos para lugares de projeção mundial – Durão Barroso e agora António Guterres. A participação em organizações internacionais ou missões humanitárias e militares permitiu manter a perceção de país com capacidade, experiência e vontade de intervir na medida das suas possibilidades em zonas de necessidade ou conflito. Também importante terá sido o contributo do futebol. A opinião pública que lê os países pelos resultados no futebol, interessou-se. A organização do Euro, Mourinho, Manuel José,  Fernando Santos e outros treinadores. Figo, Petit, Ronaldo, Quaresma e outros jogadores. A vitória no Euro 2016. Foram contributos para arrasar o anonimato nacional perante o mundo vertical que gosta de futebol.

Toda a gente gosta de Portugal, diz o Presidente da República. Há dias, Marcelo Rebelo de Sousa disse com entusiasmo no Senegal que Portugal não tem inimigos. Acho que tem vários, com destaque, nos últimos anos, para os portugueses ditos “banqueiros” e “gestores” que se têm dedicado com zelo a destruir bancos e empresas, tudo com grande repercussão nos respetivos meios. Haverá outros inimigos, como as redes terroristas que atacam países nossos aliados ou um qualquer eventual outro agressor que se oponha à NATO, uma realidade bem presente nos dias de hoje. Por isso, penso que o melhor será preparar os portugueses para o facto de haver ou poder haver inimigos e ter de os enfrentar.

Mas há mais inimigos. Os familiares dos jogadores da Associação Chapecoense de Futebol, brasileiros mortos em homicídio por negligência, também não serão grandes amigos de Portugal. O presidente do Futebol Club do Porto demorou a pedir desculpa ao clube brasileiro pelos chamados “cânticos” dos adeptos da secção de andebol num jogo com o Benfica. A primeira declaração do clube fora lamentável: não se “revia” naqueles “cânticos”. Não terá sido incitação ao ódio e à violência? Aquele comportamento tem de ser levado a sério e até às últimas consequências. As pessoas que desejaram a morte da equipa adversária revelam um nível cultural zero. Os responsáveis do clube de imediato deveriam ter posto fim àquilo. Como em toda a parte e em todo o momento, estavam lá pessoas com smartphone. Os “cânticos” escabrosos eram matéria de primeira classe para as redes.

Um suposto busto de Cristiano Ronaldo foi validado em cerimónia de Estado pelo Presidente da República, primeiro-ministro e Presidente do Governo Regional da Madeira. Em Portugal a coisa foi levada levianamente, com sorrisos atrapalhados. Coitado do “escultor”, um rapaz bem intencionado, empregado das limpezas do aeroporto, que tomou a iniciativa sem retribuição de colocar o seu engenho ao serviço do nome de Portugal. É difícil conceber que ninguém se tenha apercebido do impacto tremendamente negativo que a obra teria em todo mundo. Nem o próprio Ronaldo. Tudo o que diga respeito a Ronaldo diz respeito a todo o mundo. Li num jornal britânico: quando é que Ronaldo terá direito a um busto digno? Pergunto: como é possível que um país que tem o privilégio de ter um jogador de exceção como Ronaldo autoriza que uma aberração escultórica que supostamente o retrata seja colocada no aeroporto que recebeu o seu nome? Não bastava o facto inusitado e para muitos inapropriado de dar o nome do jogador ao aeroporto?

A abstrusa decisão de aceitar aquela obra sem nenhuma qualidade validou perante o país e o estrangeiro que os poderes em Portugal condescendem com o amadorismo da mais baixa qualidade e fealdade, pretensa arte, que ofende Ronaldo e os portugueses. Isto num país de tantos grandes escultores: Machado de Castro, Soares dos Reis, Francisco dos Santos, Leopoldo de Almeida, Alves de Sousa, Lagoa Henriques, Joaquim Correia, Alberto Carneiro, e muitos outros.

O mesmo tipo de condescendência foi aparente por parte de responsáveis turísticos no caso dos jovens que se dedicaram a danificar um hotel em Espanha e que teve inesperada repercussão mesmo nos EUA com coisas nas redes do estilo “mil jovens portugueses destroem hotel em Espanha”. Já imaginaram, uma horda de mil portugueses selvagens! A perceção que fica é que se trata de um país de gente incapaz de se comportar com respeito pela propriedade alheia e com a dignidade que ser português merece e exige.

Ah, ainda falta na lista o vídeo da RTP do senhor Jeroen Dijsselbloem a responder à provocação do senhor secretário de Estado português com outra provocação e a voltar-lhe as costas. Parece que os portugueses gostam de levar na cara.