A cimeira europeia do próximo dia 29 promete ser uma das mais marcantes nestas seis décadas de um complexo e longo processo de integração económica, social e política envolvendo 28 países desta região. Nela serão debatidos os termos e as condições da renúncia unilateral do Reino Unido à União Europeia, pondo fim a um caminho iniciado com a adesão britânica à então Comunidade Económica Europeia, nos idos de 1973. Assim se concretiza o Brexit, consumando-se o cenário imposto pelo referendo de 23 de junho de 2016 que, por uma escassa margem de 51,9% face a 48,1% dos votos expressos, ditou o divórcio entre as ilhas britânicas e o continente europeu.
O executivo conservador britânico invocou já o artigo 50 do Tratado de Lisboa para romper a ligação à União Europeia. “Qualquer Estado-membro pode decidir, em conformidade com as suas normas constitucionais, retirar-se da União”, estipula o n.º 1 deste artigo, que há menos de um ano poucos imaginariam vir a ser invocado.
Acontece que a posição britânica não está isenta de ambiguidades. O Governo de Londres parece pretender o melhor de dois mundos: manter as vantagens do livre acesso a um vasto mercado único sem a assunção plena de contrapartidas quanto à livre circulação de pessoas e contribuição financeira para o bolo comunitário. Ou seja, pretende-se de algum modo um pé dentro da UE – o mais conveniente para a economia do Reino Unido, relacionado com a livre circulação de bens – enquanto se rejeita a livre circulação de pessoas e, parcialmente, os encargos com a União. Corre-se, pois, o risco de que esta “União Europeia à la carte”, prescindindo de alguns dos seus pilares, possa vir a incentivar novos movimentos centrífugos, dando alento a movimentos nacionalistas e, até mesmo, xenófobos que têm vindo a emergir no interior de um número significativo de Estados-membros.
Compreende-se que Bruxelas assuma agora como prioridade máxima desencorajar novas deserções, apontando o Brexit como um caso isolado. O que está em causa é, por conseguinte, bem distinto de se optar entre um ambiente hard ou soft de negociações. Apesar do reconhecimento de todas as falhas e imperfeições no processo de integração europeia, a Comissão Europeia deverá frisar aos britânicos que o atual Plano Juncker visa colocar a UE na senda do crescimento e da criação de emprego, restaurando a competitividade de um dos maiores mercados do mundo, com investimentos avaliados em cerca de 315 mil milhões de euros.
A participação neste processo de desenvolvimento, embora implicando algumas obrigações significativas – de que a questão dos migrantes não é certamente a menor – proporcionará também inegáveis vantagens para a alavancagem das economias dos países integrantes. No caso de Portugal, já foram apresentadas 113 candidaturas a esta distribuição extraordinária de receitas europeias – nomeadamente nas áreas dos transportes e da energia, num valor superior a 31 mil milhões de euros.
É com factos como estes que se combatem as pulsões populistas e se consolida a unidade europeia. Talvez os eleitores britânicos ainda venham a arrepender-se de terem votado como votaram. Mas isso é, sobretudo, um problema deles, não é nosso.