Escrevi há anos um artigo informando os deputados do parlamento português que não precisam de gritar para serem ouvidos dentro e fora da sala. Relembro o que então escrevi. À frente de cada senhor deputado há um aparelho chamado microfone. Capta sons quase inaudíveis que são depois amplificados por um aparelho dedicado a essa transformação e que são seguidamente difundidos por toda a sala por outro aparelho apropriadamente designado por altifalante.

As vozes, quantas vezes desagradáveis dos senhores deputados, são também transmitidas à distância para casa dos portugueses, que os podem facilmente ouvir através de uns aparelhos designados por televisor, telefonia (ou rádio), computador ou smartphone. São invenções extraordinárias, que poupam as pessoas ao esforço de terem de gritar para serem ouvidas, mesmo do outro lado do universo.

Se me permitem, senhores deputados, já que desde sempre ajudei a eleger alguns de vós ao votar no vosso partido e sempre contribui para o vosso salário com os meus impostos, avanço agora com um pedido: senhores deputados, não se comportem como se estivessem num bar rasca, constantemente a rir às gargalhadas com esgares trocistas, atropelando-se com supostas piadas, numa vozearia arruaceira. Sabe-se que os senhores gostam muito de chamar ao Parlamento a “casa da democracia”. Acham mesmo que o vosso nada edificante espetáculo dá bom nome à casa? Não temem que que se fique com a impressão que a casa é mal frequentada? Devemos permitir que os nossos filhos assistam às sessões no Parlamento?

Também tenho um pedido a fazer ao senhor Pedro Passos Coelho. Há dias, estando na minha cozinha, local onde poderá haver ruídos vários com origem nos eletrodomésticos ou nos próprios cozinhados, vi-o no pequeno televisor a fazer um discurso. Apesar de ter desviado a minha atenção exclusivamente para si, o meu esfoço de concentração não resultou. Não percebi quase nada do que disse. Fiquei com a ideia que estava a troçar do governo a propósito das contas públicas. Seria essa a mensagem, a de que as contas públicas são uma brincadeira mal jogada pelo governo? Ou estaria a tentar convencer a audiência de algum importante pormenor financeiro que terá escapado ao entendimento dos cidadãos ignaros?

Por favor, não faça permanentes esgares trocistas enquanto discursa, não se deixe contagiar pelo ambiente da casa. Estude os discursos do mestre em oratória Barack Obama e do seu discípulo europeu Emmanuel Macron. Mas, mais ainda: não fale demais, fale devagar, com boa dicção, pronunciando bem as vogais e acentuando as consoantes. Quanto ao conteúdo, sugiro que se concentre numa única mensagem, clara e bem definida, repetida de diversas formas, aplicando as técnicas da oratória. O tom de voz é muito importante. Coloque a voz numa frequência mais grave, como faz o senhor primeiro ministro António Costa. Recupere a gravitas que o senhor antigamente exalava com aplomb. Relembre-se, reveja-se.

Se me for permitido, alguns destes conselhos também servem a senhora Assunção Cristas. Desde já um pedido. Aproxima-se o verão. Não se deixe tentar por blusas ou vestidos de alças que lhe deixem à mostra os ombros como exibiu no ano passado. Eu sei que a senhora Theresa May por vezes veste com arrojo, como por exemplo aquele vestido vermelho de finas alças num jantar de cerimónia. Não me parece apropriado, mas ela é uma peneirenta dedicated follower of fashion e a senhora Assunção Cristas não é. Quanto ao seu discurso, as minhas sugestões acima também lhe poderão ser úteis.

O mesmo fenómeno de enorme dificuldade em entender o que muitas pessoas dizem na televisão ou rádio ocorre com frequência com convidados de programas. Mesmo pessoas com formação superior não sabem falar português. Há dias ouvi dois cientistas em diferentes programas de televisão, uma mulher e um homem, a discorrer sobre as respetivas especialidades. Não só falaram depressa demais como não pronunciaram as palavras corretamente. Na realidade, nada explicaram, pelo que a sua presença no estúdio foi espúria. Talvez tenha servido para fazer avançar as respetivas carreiras.

As vogais estão em vias de extinção na língua portuguesa falada em Portugal. Li há tempos um artigo de um linguista português que manifestava imensa preocupação pelo facto de os portugueses estarem a deixar de pronunciar as vogais assemelhando a nossa fonética à de línguas eslavas que se caracterizam pela profusão de consoantes. Por exemplo, em croata, krv (sangue), prst (dedo), grm (arbusto) ou em checo Strč prst skrz krk (meta um dedo na garganta), embora o “r” seja uma “meia-vogal”.

Não posso deixar de apelar com angústia e ansiedade aos senhores presidentes das estações de televisão e rádio para que lembrem os respetivos locutores, apresentadores, jornalistas e comentadores para que obrigatoriamente falem português com classe e distinção profissional, inteligível e à prova de ruído. Aprendam com os locutores e comentadores de desporto, sem dúvida os melhores falantes de língua portuguesa nos media eletrónicos. Finalmente, um pedido ao senhor presidente da RTP: não basta o microprograma sobre como se escreve em bom português. É preciso também um programa sobre como se pronuncia em bom português. Até dá para fazer uma coisa divertida.