A Europa pode respirar de alívio com a vitória de Macron. Mas não pode acomodar-se ao conforto do triunfo, pois as ameaças ao grande consenso que moldou o mundo livre no pós-guerra mantêm-se e a conquista do Eliseu por um candidato moderado não deve fazer esquecer o Brexit, a vitória de Trump e o constante sobressalto em que o Velho Continente vive com o crescimento das forças políticas radicais. Os desafios são imensos e impõe-se coragem para os assumir, por forma a preservar-se o património de liberdade e pluralismo de que as democracias são fiéis depositárias e que têm o dever de legar às gerações futuras.

A vitória do candidato centrista revelou que a maioria dos franceses refutaram uma governança assente no sectarismo, na imposição dos interesses de uns sobre os interesses dos demais, na exclusão do outro, antes manifestando preferência pelo modo democrático de governo, que se define pela gestão e atenuação dos conflitos inerentes a todas as comunidades humanas, no respeito por todos, porque detentores de iguais direitos e deveres.

O apoio maioritário a Macron decorre, porém, mais da recusa do radicalismo de Le Pen do que do seu projecto político, incapaz, por si mesmo, de gerar amplo apoio popular. A maioria que o escolheu é, portanto, contigente, tendo-se reunido em torno do que considera ser um mal menor. E Macron não pode ignorar que a sua adversária recolheu mais de um terço dos votos, conseguindo, pela primeira vez, conquistar apoios exteriores ao eleitorado tradicional do seu partido, nem esquecer os muitos que, votando, se recusaram a apoiá-lo, preferindo o voto em branco ou nulo. Assim sendo, a Macron é imposta a tarefa de conceber uma governação que tenha em conta as reservas dos que o apoiaram, o descontentamento dos que votaram na candidata da Frente Nacional e o cepticismo dos que optaram por não escolher entre os dois contendores.

Para resolver tal quadratura do círculo, Macron terá que ter o arrojo que tem faltado aos dirigentes europeus para enfrentar sem peias questões controversas, procurando, no quadro democrático que define a França e de que os franceses manifestaram não querer apartar-se, soluções para os problemas que afectam o seu país, e que são comuns à generalidade das nações mais desenvolvidas, mas acerca dos quais a correcção política dominante criou uma espécie de interdito, que estigmatiza a sua simples menção.

Com efeito, debater a imigração e os seus efeitos nos salários ou no quotidiano das comunidades não é, por definição, sinónimo de xenofobia, repensar o cada vez mais contestado projecto europeu não significa anti-europeísmo, ponderar as consequências da globalização e da mundialização do comércio no emprego, nos níveis salariais ou na mobilidade social não decorre necessariamente de uma visão paroquial em oposição ao cosmopolitismo, discutir a identidade nacional não implica reaccionarismo serôdio, combater o terrorismo e as suas causas não impõe, inevitavelmente, a criação de um Estado policial.

São estes os problemas que preocupam os franceses e para os quais Macron terá que procurar soluções. Não fazê-lo implicará maior reforço dos radicais que, face à recusa dos políticos moderados em abordá-los desassobradamente, têm assumido o monopólio da sua discussão, propondo más soluções inspiradas em piores princípios. Os franceses escolheram, e bem, a democracia. Cabe à democracia oferecer respostas às suas inquietações.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.