Parecia improvável a vitória do Brexit ou a eleição de Trump. Mas estava escrito nas sondagens que ambos os desfechos eram possíveis. Era improvável mas duvidosa a eleição de Emmanuel Macron, um candidato forte e da mudança, porque mesmo que passasse à segunda volta poderia ser derrotado. Uma conjugação fortuita dos astros acabou por favorece-lo. François Hollande anunciou que não se recanditaria e o escândalo Penelopegate inviabilizou a candidatura de François Fillon, o candidato do sistema que aparentava ser o favorito.
A vitória de Macron foi conquistada, merecida e foi uma sorte para a Europa e para os franceses, e é desejável que dela a França e a Europa saiam mais fortes. O desejo de paz e de unidade europeia, liberdade, democracia, estado de direito, laico e social foi expresso de modo veemente pelos milhões de jovens franceses de todas as origens e raças que votaram em Macron. A responsabilidade do presidente eleito é imensa, como ele mesmo disse várias vezes.
Há certamente naquele homem uma chispa de je ne sais quoi que fascinou a sua professora e futura mulher, Brigitte Trogneux, tinha ele apenas 15 anos, e que foi mais tarde detetada pelo presidente Hollande quando o convidou para seu conselheiro e depois para ministro da Economia. Macron foi educado pela sua avó no espírito do iluminismo, que ele agora defende e propõe aos franceses. É uma daquelas pessoas com um sentido muito apurado do pulsar íntimo da opinião pública. Além disso, mostrou ser um homem de fibra, não vacilando no decisivo debate com Marine Le Pen, uma extremista de direita agressiva e ressabiada.
Macron foi habilidoso e firme ao acusá-la com boa educação de ser imprópria para presidente dos franceses. Muitos comentaristas disseram que foi um debate de “insultos” de parte a parte, mas o eu que vi foi um debate com acusações. Se eram insultos ou não cabe aos intervenientes ajuizar.
Escrevi que Macron é um discípulo de Barack Obama, uma ideia que a mensagem de apoio do antigo presidente veio depois confirmar. Não só na oratória, em que Obama é nitidamente melhor, mas sobretudo na técnica de comunicação política, que é a mesma. Obama utilizou aquilo a que Tony Schwartz, guru da comunicação política nos anos 70 e 80, chamava “embrulhar o eleitor e entregá-lo ao candidato”. A visão de Obama era Change e a missão consubstanciada no slogan Yes we can, ou seja, vós eleitores e eu. Do mesmo modo, Macron fala constantemente de nous, os eleitores e eu, insistindo com declarada humildade que foram os eleitores que ganharam e que vai continuar a precisar da sua ajuda – desde logo para as próximas eleições legislativas. Em contrapartida, oferece-lhes proteção presidencial: je vous protegerais.
Tenho lido comentários na imprensa portuguesa, como o de José Manuel Fernandes, mesmo antes dos resultados eleitorais terem sido conhecidos, que já se dedicavam a apontar a Macron inúmeros defeitos e incapacidades, em contraste com a generalidade dos media franceses (e mesmo estrangeiros) que lhe oferecem a oportunidade de mostrar ao que vai e como vai, ou, pelo menos, concedem o benefício da dúvida. Muitos comentadores aprestam-se com espírito construtivo a dar-lhe conselhos para que seja bem-sucedido. É certo que Le Pen acusa os media de serem favoráveis a Macron, mas porque não seriam se Macron será o garante da liberdade de expressão – é muito duvidoso que Le Pen, se viesse a ser presidente, o fosse. A guerra do seu amigo Trump contra a imprensa continua intensa.
Para muitos, como eu, a vitória de Emmanuel Macron era desejada e foi festejada. Há quem compare a sua proposta à “Terceira Via ” de Tony Blair, em 1997. Perdoe-me o leitor se considerar que estou a entrar num exagero de imaginação ao ler a campanha de Macron como um gigantesco encore da campanha Prá Frente Portugal, um slogan no mesmo espírito de En Marche!, proposto por Daniel Proença de Carvalho para a campanha presidencial de Freitas do Amaral em 1985/86. Era, afinal, uma campanha que se dizia ser nem de esquerda nem de direita, mas prá frente. Animava-a a mesma ideia de país que Macron desenvolveu para França.
A vitória de Macron foi sentida com emoção e com a esperança de que não cometa erros, sobretudo exageros federalistas ou a sugerida mudança da lei eleitoral com a introdução parcial do modelo proporcional. A Alemanha já deixou claro que não irá mudar de política, em particular quanto à redução do seu superavit e da mutualização da dívida. Para os alemães, e para a CE, deve ser a França a controlar as contas públicas e a reduzir a dívida e o défice. No que respeita à produtividade do trabalho, segundo a OCDE, a França não está mal, situando-se em 2016 num nível igual ao da Alemanha, mas inferior, por exemplo, ao de Espanha. Por isso, Jean Claude Juncker diz, com razão, que os franceses andam a gastar mal o dinheiro.
A grande dúvida é saber se Macron irá conseguir o apoio político, através da maioria absoluta do seu novo partido ou de acordos parlamentares, para produzir a reforma do sistema francês, desde logo as leis laborais, a duração do horário de trabalho, o aumento da idade da reforma, a educação e o desenvolvimento do empreendedorismo. Ouvi uma analista francesa dizer que Macron privilegia o compromisso mas que, quando esse não é possível, rompe, como quando se demitiu de ministro. Fazemos votos para que continue a mostrar mesma fibra e determinação. Afinal, são essas qualidades que os eleitores querem e estão à espera.