Ao Meu Bastonário, Dr. António Pires de Lima.
Conheci o Dr. António Pires de Lima em circunstâncias insólitas, após me ter permitido adormecer no seu gabinete, à espera que a reunião do então Conselho Geral, onde também se encontrava o meu pai, acabasse. Circunstâncias eleitorais ditariam, depois, que estivéssemos mais vezes juntos, sendo que me coube a mim dar-lhe o braço durante uma campanha em que ainda se encontrava em recuperação de um problema de saúde grave, mas à qual não virou costas.
A sua morte, eufemisticamente anunciada no dia 6 de Maio, como “vítima de doença prolongada”, não me apanhou desprevenida mas trouxe-me um sentimento de orfandade que sei partilhado por todos aqueles que com ele privaram.
António Pires de Lima é reconhecido pelo público em geral por ter desempenhado as funções de Bastonário da Ordem dos Advogados, no triénio de 1999-2001 mas, entre pares, essencialmente por corresponder a um ideal de advogado, cujas funções na mesma Ordem se haviam iniciado anos antes de ganhar as eleições no Largo de São Domingos. A própria composição da sua lista ao Conselho Geral é demonstrativa de uma certa forma de estar na vida, sendo que daí nasceu uma amizade e um respeito entre a minha família e a dele, que as profundas diferenças ideológicas nunca esbateram e que persistem nas gerações seguintes.
A forma como exerceu o mandato, com uma astúcia, um amplo sentido de democracia e umas enormes coragem e frontalidade, permanecem na memória não apenas daqueles que integraram aquele Conselho Geral, como de grande parte dos advogados.
Na verdade, quer antes, quer após o mandato, António Pires de Lima foi, essencialmente um Advogado, daqueles cuja craveira intelectual e estatura moral não se esquece. Para além disso, importa realçar que, por detrás da pessoa que exerceu a função, existiu um Homem cuja sagacidade, sentido de humor e inteligência crítica o tornavam absolutamente ímpar. A Ordem dos Advogados viu morrer aquele que, para mim, foi o último dos Grandes Bastonários. A voz que sabia fazer-se ouvir no exacto momento e tom em que era necessária.
Para uma ateia como eu, a morte representa sempre algo de brutal porque importa um afastamento definitivo. Por isso, gosto de pensar que é um mero “até já” e que, num dia de sol, voltaremos a atravessar a Avenida da Liberdade de braço dado, entre uma piada e outra. Até lá, fica-me o seu exemplo, que me permite aguentar os dias mais negros de uma profissão, a cujo desgaste só se resiste com elevação de princípios e sentido de humor.
Obrigada, Meu eterno Bastonário.
A autora escreve segundo a antiga ortografia.