Esta crónica quinzenal, fugindo das más notícias, só poderia ser sobre M&M: os dois políticos do momento, Moreira e Macron.

Moreira e Macron são dois dos casos mais interessantes da actualidade, para quem se interessa por política. Terão compreendido antes dos demais o sentimento do Povo e a sua saturação com o anquilosamento dos velhos partidos do regime. Terão reencontrado o cidadão comum que a velha política desfocou. Terão a liberdade de não carregar às costas máquinas pesadíssimas e transbordantes dos vícios que as afastaram do Povo. Terão, acima de tudo, o dom da coragem de quebrar com o que era até agora uma fatalidade.

Rui Moreira, tal como Macron, é um político, e ainda bem. O pior que poderia acontecer seria a recusa dos políticos, confundindo-os com o fardo das máquinas partidárias. Devem ser sempre os políticos a liderar a marcha da sociedade – a política existe para estar ao serviço do bem comum. Sempre que derivamos para a recusa do político esbarramos com um qualquer Trump de má memória. Não há memória de um governo benigno que se tenha forjado na negação do primado da política.

A independência de Rui Moreira reside no compromisso directo com os cidadãos, em detrimento do apaziguamento das clientelas partidárias. Foi isto que se passou com as pressões públicas do PS, e passar-se-ia com qualquer tipo pressões de grupos organizados. O corte, envolvendo o risco de alguma alienação de votos, é libertador e legitima todo o projecto. A política é feita de riscos, mas sente-se que o Povo compensa os riscos tomados em seu nome.

A lição de Moreira é para todo um modo anacrónico de estar na política e na sociedade. Se os partidos ainda não compreenderam que ao continuarem presos aos interesses mesquinhos de uma estrutura acomodada, ao manterem-se pelo incentivo ao cacique e pelo controlo de uma máquina que desejam acéfala e acrítica, e ao reduzirem-se à dimensão de trampolim de meia dúzia de oportunistas se condenam a si próprios num prazo mais curto do que imaginam.

A marca Porto é das marcas mais fortes e de mais rápida assimilação. Porquê? Porque é de todos, acolhe todos, cria o sentimento de pertença que os partidos alienaram. Sim, que não restem dúvidas: é uma marca política, da política política que interessa à cidade e aos cidadãos.

A prática democrática de Rui Moreira e a valorização da Assembleia Municipal, também mérito de Miguel Pereira Leite, seu presidente, regressam ao procedimento original que justifica a existência de orgãos com dimensão e dignidade próprias como garante da Democracia. No Porto, Miguel Pereira Leite é actor político em todos os actos importantes, representando os deputados municipais e a sua legitimidade; no resto do país, as Assembleias Municipais são em regra tratadas como um estorvo ao presidente da autarquia e arrumadas num espartilho funcional asfixiante.

No Porto há uma longa história de boas revoluções, de resistência, de inovação; que esta seja um belo abanão ao centralismo cego que atingiu os protagonistas da capital, fechados sobre si mesmos e distantes do país.

O segundo M, de Macron. Como escrevi no último artigo, o mais urgente era repelir democraticamente Le Pen, a sua xenofobia, o seu racismo, o seu projecto ultramontano e suicidário. Felizmente, não vamos saber as consequências de uma vitória dos extremos em França. De modo claríssimo, a reunião de Macron com Merkel tranquilizou os europeus.

Macron tem demonstrado num curto espaço de tempo um apuradíssimo sentido político. Na excelente encenação da noite da vitória, na priorização dos contactos internacionais, na recusa de Manuel Valls, na escolha multitudinal dos que o acompanharão, na recusa de submissão aos aparelhos partidários.

Estes homens, M&M, em palcos diferentes, compreenderam a realidade, a saturação, o divórcio entre o Povo e o actual formato partidário. Falaram directamente ao Povo e tiveram uma resposta massivamente positiva. Resgataram os meios sociais sob a sua influência do perigoso discurso anti-político, fazendo política de modo novo, ou talvez não tão novo, mas seguramente esquecido.

Caberá agora aos partidos políticos fazer a sua parte. São mutíssimo necessários à sociedade se estiverem vocacionados para servi-la. Assim saibam ler os sinais dos tempos e libertar-se dos velhos hábitos que os asfixiam.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.