“Não posso regressar. Se o fizer serei imediatamente preso. Grande parte dos meus amigos estão em parte incerta. Todos os dias há gente que desaparece, relatos de tortura. As perseguições são constantes…”

O homem deixa cair a cabeça nas mãos num desalento profundo. O silêncio é palpável, espesso como um muro de betão. Vive há meses na Alemanha, de forma ilegal e sem perspetivas. Até  há um ano atrás era um quadro bem colocado na hierarquia da polícia turca. Hoje deambula pelas ruas arrastando um corpo que mirrou nestes últimos tempos, como uma planta sedenta.

Aziz (nome fictício) não sabe o que fazer. Não pode pedir asilo porque possui um passaporte especial só conferido a altos quadros do Estado turco, o que o torna – ironicamente –, num privilegiado aos olhos da lei. Tão-pouco pode solicitar estatuto de refugiado: o seu país não está em guerra, pelo menos declarada, e a Europa escuda-se nestas bem definidas regras legais para responder com imensa simpatia, uma enorme solidariedade e compreensão, com o NÃO que pode condenar Aziz a uma morte lenta, caso regresse a Ancara.

A purga turca não conhece limites. Os últimos números apontam para 151.485 detidos sem julgamento ou culpa formada, 8.271 académicos afastados dos seus postos de ensino, 4.424 juízes e procuradores presos ou afastados dos seus postos,  149 meios de comunicação social encerrados, 231 jornalistas presos, 2.099 escolas e universidades encerradas.[i]

Naturalmente que a resposta para tantos “Azizes” que começam a surgir terá que ser ponderada, tendo em conta não apenas a lei mas sobretudo o momento delicado que a Turquia vive. Mas poderá a UE dar-se ao luxo de enfrentar aquele que é o estado-tampão entre a vaga migratória sem precedentes e as fronteiras de uma União que decide a várias vozes?

Haverá força política para declarar o que é evidente e considerar a Turquia como um país onde se instalou uma ditadura, talvez ainda mais férrea que a de Saddam ou Kadafi? Ou irá a Europa escudar-se, como tem feito, em miríades de análise retóricas, de abordagens inócuas, para depois lacrimejar perante o horror sem remédio?

Os acordos foram revistos uma e outra vez, e os compromissos que quer a Turquia quer a UE têm assumido morreram na praia, à semelhança de tantos que tentam desesperadamente fugir da morte.

Neste momento, longe ainda de resolver a crise humanitária que se vive à porta das nossas  fronteiras externas, uma outra vaga de desesperados tenta a todo o custo chegar a um local de paz onde possa retomar a vida que lhes foi rasgada. Portugal será certamente um dos destinos destes novos migrantes. O número de jovens em intercâmbio escolar, em mestrados, doutoramentos e pós-doutoramentos são muito significativos. Muitos deles receiam o regresso. Que resposta lhes será dada?

Está na hora de pôr em causa as Leis e de as colocar ao serviço do Homem e não o seu contrário. Porque a Lei só deve ser dura para com aqueles que esquecem a sua humanidade.

[i] Fonte: turkeypurge.com e  stockholmmcf.org