Não só tem que perceber depressa, como escolher rapidamente a melhor tradução, e se se engana pode criar um problema sério. Que o diga o free lancer que a 150 dólares por dia traduziu Carter na sua ida à Polónia em 1973, e que não era especialista em polaco. No primeiro dia traduziu “I left the US this morning” por “eu abandonei os Estados Unidos” e “I understand your desires for the future” por “eu desejo-vos carnalmente”. No segundo dia foi substituído, mas quando Carter, no banquete, disse a primeira deixa, o homem ficou mudo; à segunda deixa, silêncio de novo.
Este tradutor sabia polaco, mas não compreendia Carter. Em 1956, na embaixada polaca em Moscovo, Khrushchev fez um discurso onde disse aos EUA que “nós iremos ao vosso enterro”, querendo dizer que o comunismo e a União Soviética sobreviveriam ao capitalismo americano. Isto, em plena Guerra Fria e pouco depois da primeira bomba H soviética, foi traduzido por “nós vamos enterrar-vos”. A Declaração de Potsdam exigia a rendição incondicional do Japão, ameaçando “utter destruction”; o primeiro-ministro Suzuki respondeu com “sem comentários”, usando a palavra “mokuzatsu”, que também significa “estou-me nas tintas” – poucos dias depois os americanos largaram a bomba atómica.
Com o presidente americano, as coisas são ao contrário. O que o homem diz leva a um resultado surpreendente: as suas intervenções vagas e evasivas, com palavras de sentido dúbio e afirmações pomposas e imaginativas, melhoram com a tradução.
Por exemplo, explica Agness Kaku que os “I don’t know, I’m not sure, other people say, the lawyers say” são eliminados, dando um ar mais conciso, decidido e arrumado ao que ele diz. Também o fazem parecer gentil – o tradutor (para chinês) de “I moved on her like a bitch” escolheu “fiz-lhe um forte ataque”, muito mais simpático. Sánchez Reinaldo traduziu o “bad hombres” do terceiro debate presidencial por um carinhoso “hombres malos”. Michele Berdy diz que os tradutores russos não compreendem Trump e ‘limpam’ as suas frases, eliminando as repetições, lugares comuns e tiradas sem sentido. Fica parecido com Putin. E os seus tweets com os “sad, weak, pitiful” transformam-se em “é triste, é lamentável”, mais adultos e educados.
Isto devia ser um sinal para os políticos portugueses: se não são como Trump, quanto mais falarem, mais riscos tomam. E escolham bem as palavras, não vá uma “presidência de afetos” acabar como uma “f*cking presidency”.