Será que um ano depois o Reino Unido vai surpreender novamente o mundo? Quando, no mês passado, Theresa May convocou eleições legislativas para dia 8 de junho, a jogada parecia simples: legitimar-se nas urnas para minimizar fragilidades na negociação do Brexit, cujas conversações deverão iniciar-se já no final do mês de junho. Dá sempre jeito estar no poder pelo voto popular, e não por nomeação interna do partido, especialmente quando têm de ser tomadas decisões difíceis e há opositores internos e externos prontos a puxar o tapete logo que a oportunidade surja.
O que é afinal a política senão esse jogo de tomar o poder quando o terreno parece mais propício para uns, independentemente do interesse comum? E o que poderia correr mal? Na data da marcação das eleições as sondagens davam aos Conservadores uma vantagem de cerca de 20 pontos sobre os Trabalhistas, o principal adversário, atualmente liderado por Jeremy Corbyn, tido como um esquerdista radical com poucas possibilidades de conseguir o poder.
Todavia, hoje, a pouco mais de uma semana do dia do voto, essa vantagem reduziu-se para apenas cinco pontos e ninguém pode garantir quem vencerá as eleições dentro de dias, embora a generalidade dos comentadores continue para já a afirmar que May não tem razões para se preocupar.
O que significaria uma vitória (até aqui julgada impossível) dos Trabalhistas nas eleições? Com Jeremy Corbyn o partido é visto muito mais como um Syriza (Grécia), um Podemos (Espanha) ou um Bloco de Esquerda (Portugal) do que como um tradicional partido socialista moderado. Há também quem compare o líder trabalhista ao democrata norte-americano Bernie Sanders, derrotado nas primárias por Hillary Clinton. Uma possível vitória de Corbyn levaria a prováveis mudanças na política interna do país. A nível económico, o líder trabalhista é um defensor da intervenção do Estado na economia, incluindo a nacionalização de serviços públicos, como o ferroviário ou a energia, e do investimento público no setor financeiro, na educação ou na saúde e um forte opositor da austeridade.
E quanto à política externa? No referendo do ano passado, Corbyn – tal como May – defendeu a permanência na UE e, depois de algumas dúvidas lançadas pelos Conservadores, já anunciou que respeitará o resultado do referendo caso vença. Embora na prática seja difícil de prever, em teoria, a principal diferença parece ser a de que Corbyn é agora um soft Brexiteer, preferindo que o Reino Unido saia preservando o acesso ao mercado interno e à união aduaneira fazendo cedências (e.g. quanto imigração), ao hard Brexit de May, em que o país sai por completo da convivência com os parceiros europeus.
Curioso não deixa de ser que a campanha dos Conservadores, em que predominam novos e velhos Brexiteers, ao ver a distância das sondagens encurtar, foi ao armário buscar a linha do risco de eleger Corbyn, lembrando as suas posições de ceticismo face à legislação antiterrorismo, e acusando-o de complacência com o IRA, de defender a saída da NATO, e de querer desinvestir nas forças armadas, deixando o país mais vulnerável. No fundo, o chamado Project Fear, que acusavam de ser o único discurso dos Remainers no debate do Brexit, chegou à campanha, mas mudou de lado. Da última vez, foi uma estratégia eleitoral desastrosa. Como será agora?