A última semana não correu pelo melhor ao representante do povo norte-americano. Apesar de temas como comércio internacional acomodarem agora algumas das preocupações protecionistas de Trump, e a promoção de cobertura de saúde mundial ter sido retirada da declaração anual do G7, o saldo final não foi positivo para o Presidente dos EUA. A maior parte das análises reporta, aliás, um resultado de G6+1.

Quem sofreu com isto foi o clima. Sem haver propriamente uma razão na agenda climática, senão um ponto de discussão na reunião do G7, a decisão sobre a permanência no Acordo de Paris parece ter sido um trunfo que Trump guardava para não descer nas ovações dos seus eleitores. Conhecendo o processo envolvente, percebe-se que a saída do Acordo de Paris não faz qualquer sentido, como esmiuçado nas horas a seguir ao discurso enjoativo de quinta-feira por comentadores, empresários e políticos.

Não faz sentido no contexto do acordo propriamente dito, impossível de renegociação, como informado no comunicado da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas. Até porque cálculos preliminares apontam para que a responsabilidade federal, apresentada pelos EUA no compromisso, recai sobre menos de 2% do orçamento de carbono global do país (ver contas CAT). Os grandes resultados vêm das propostas estaduais, de cidades e de empresas. O Acordo de Paris é um acordo voluntário, nacional, pelo que seria mais fácil reformular a sua aplicação do que optar pela sua remoção. Só que isso não cumpriria o propósito de choque com os demais parceiros do G7, como acima referido.

A saída do Acordo também não faz sentido no enquadramento mundial. E quando os factos alternativos têm tanto tempo de antena como tiveram, é, pelo menos, importante esclarecer que no compromisso financeiro, acordado nos 100 biliões de dólares, os EUA não chegam aos 3%. Quanto à China, que muito tem ainda para fazer, apresenta uma orientação política clara. Atualmente, está no terceiro ano consecutivo de redução do uso do carvão, tem investido largamente em energias renováveis e estima-se que estas possam já ter ultrapassado os objetivos do seu compromisso de Paris, que é, ainda, pouco ambicioso (dados do World Resources Institute).

Veja-se também que, neste momento, a OCDE tem como requisito à entrada na organização a existência de mecanismos de preços do carbono, sejam eles taxas, mercados, limites, ou outros. Em resumo, o mundo caminha num sentido, enquanto três países ficam de fora do Acordo: Síria, Nicarágua… e EUA.

O aspeto positivo do discurso de Trump foi não ter negado a existência de alterações climáticas. No entanto, na contraditória e previsível linha de pensamento deste presidente, logo a seguir informa que mesmo sem a renegociação do Acordo de Paris não se antevia qualquer tipo de aborrecimento. E nesta observação está a verdadeira formalização do problema: o reconhecimento das alterações climáticas não é uma questão de falta de factos, dados ou estudos, mas sim uma clara politização da questão. Nunca um tema foi tão escrutinado e avaliado, estimando-se que 97% da opinião científica esteja alinhada (ver aqui um estudo sobre os estudos científicos e sua validade).

A ciência é cada vez mais o objeto de promoção e de ataque consoante sejamos mais apologistas ou oponentes da regulação do bem público, neste caso, da preservação do planeta (este estudo de McCright e Dunlap desenvolve o assunto). E, consequentemente, também a negação de factos científicos estará alinhada com as próprias divisões políticas sobre a regulação. McCright e Dunlap encontram “uma significativa polarização partidária e ideológica nos últimos 20 anos sobre as questões das alterações climáticas, nos EUA”.

Isto acontece enquanto a desinformação ganha dimensões cada vez maiores. E o aproveitar-se desta falta de conhecimento e falta de iniciativa na busca desse conhecimento, e de uma opinião própria dos seus apoiantes, é o que mais enjoa e revolta no discurso de Trump. Há exceções, claro. A mais notável é a de Elon Musk, CEO da Tesla e conselheiro de Estado – reconhecido industrial de energias renováveis com uma enigmática posição política –, que acabou por se demitir depois do comunicado.

Definitivamente, não estamos na mesma situação do Protocolo de Quioto, pois agora os EUA não são necessários para que o Acordo de Paris vigore. Na altura de Quioto essa premissa impunha-se. Os EUA, com este trunfo mal medido, perdem poder de negociação dos fundos associados, perdem o comboio do progresso tecnológico (a China agradece) e muitos empregos no futuro – a indústria solar e eólica registou um crescimento de 20% dos postos de trabalho nos últimos anos e já emprega mais pessoas que a indústria do petróleo, carvão e gás. Tudo a troco de mais uns anos, poucos, de crescimento de setores e tecnologias obsoletos. As posições mais mediáticas são as da Walmart, Apple, General Motors, Exxon Mobil e Shell, que têm uma opinião oficial e clara nesta matéria, assente na defesa dos princípios de mitigação das alterações climáticas. É, pois, um contrassenso que os republicanos não tenham em consideração as preocupações destes gigantes industriais com o seu futuro financeiro.

A conclusão é similar à do meu artigo anterior, onde o isolamento do Clube de Clima acabará por mostrar as sequelas, e da forma mais prejudicial, aos próprios EUA. Tudo por causa da reunião do G6+1 que correu mal e que, na verdade, ninguém esperava que corresse bem. Imagino agora Merkel, Macron e os Governadores Cuomo, Brown e Inslee (António Guterres não se presta a estas coisas) em rodinha a cantar o que o meu pai canta à neta quando ela faz uma birra: “O cabritinho amuou/foi p’ró monte e não voltou/foi esconder-se num penedo a tocar o seu canedo”. Neste caso, trata-se do pai de um cabritinho que toca canedo, que não se esconde e que aponta as marradas para os sítios mais fáceis, enquanto os cidadãos norte-americanos não despolitizarem o assunto.