Com o impulso involuntário do Presidente Trump à coesão europeia, importa recordar que os laços que unem os países deste lado do Atlântico não são de hoje – ainda que haja quem teime em negá-lo; que temos uma história e uma cultura comuns desde há séculos e que Portugal tanto tem um pé no continente como na bacia do Mediterrâneo – e, portanto, no norte de África e no Médio Oriente); e que essa variedade em muito contribui para a nossa riqueza cultural. E ainda que estejamos um pouco afastados do conceito de “Mitteleuropa”, mais divulgado entre nós graças à obra do triestino Claudio Magris e, em particular, ao seu livro “Danúbio”, não somos estranhos a uma certa fluidez da noção de fronteira.
Em “Mundos de Fronteira. Lugares e Figuras da Europa Central”, editado pela Cotovia, com tradução e prefácio de João Barrento, a sua autora aborda o sonho de uma Europa que foi objeto comum na obra de diversos autores da Europa Central e de Leste e que em muito contribuíram para a configuração desse sonho: o austríaco Karl-Emil Franzos (1848-1904), nascido em Chortkiv, na Galícia (originalmente na Polónia, então na Áustria, hoje na Ucrânia); Joseph Roth (1894-1939), também oriundo de uma pequena cidade austro-húngara, hoje na Ucrânia; o poeta Paul Celan (1920-1970), de Czernowitz, hoje na Roménia, outro filho de judeus alemães; Kafka (1883-1924), para sempre ligado à sua cidade Natal, Praga; Scipio Slataper (1888-1915) que, junto com Italo Svevo, deu início à prolífera literatura oriunda de Trieste, e Milo Dor (1923-2005), nascido em Budapeste, que se considerava “austríaco, vienense e europeu de ascendência sérvia” e cujo pai, médico, fazia questão de falar com os seus pacientes nas suas línguas – sérvio, húngaro, romeno e alemão.
No texto de abertura, dedicado a Karl-Emil Franzos, a autora começa por explicar o nome do escritor, ainda que a lenda se confunda com a realidade: “Era uma vez um judeu sefardita que fugiu à Inquisição, para a Holanda e daí para França”, onde adoptou o nome de Levert, por ser oriundo da cidade espanhola de Leverda; de Nancy partiram para o reino polaco e o nome passa a Ljewär. Com a divisão da Polónia em 1772, a Áustria apropria-se da Galícia Oriental e Ocidental e, três anos mais tarde, da Bucovina. Aos novos cidadãos da monarquia do Danúbio são impostos nomes alemães e Elias Levert, pai de Karl-Emil, recebeu o nome da terra de onde tinha vindo, e assim Levert foi transformado em Franzos (Francês).
A autora, Ilse Pollack, nasceu em Leibnitz e viveu em Portugal entre 1976 e 1984, tendo escrito um livro de ficção sobre figuras portuguesas e diversos artigos sobre as literaturas africanas de expressão portuguesa. Desta sua viagem cultural pela Europa Central – de que é grande conhecedora –, e mais propriamente pelas margens do Império austro-húngaro, fica patente uma parte da herança comum que moldou a Europa a que também pertencemos.
A sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com