A notícia surgiu há pouco mais de uma semana, inesperada mas no fundo sem surpresa: António Mexia, João Manso Neto (respectivamente, presidente e administrador da EDP), Pedro Furtado e João Conceição, (respectivamente, director e administrador executivo da REN), foram constituídos arguidos por suspeitas de corrupção na negociação – durante o governo do ex-primeiro-ministro sob investigação por corrupção, fuga fiscal e branqueamento de capitais José Sócrates – das rendas que o Estado garante à EDP, envolvendo também o patrocínio que a dita empresa deu ao curso que albergou o ex-funcionário do BES tornado ex-ministro Manuel Pinho (que terá feito essa negociação) na Universidade de Columbia.

Mexia e os restantes envolvidos já vieram afirmar a sua inocência. Obviamente, todas estas pessoas são inocentes até prova em contrário e o facto de existirem suspeitas sobre elas não significa que essas suspeitas correspondam à realidade. Mas não é menos óbvio notar que a veracidade daquilo de que se suspeita parece, aos olhos de qualquer pessoa que conheça minimamente este país, bastante plausível. Quanto mais não seja porque os detalhes da coisa espelham fielmente o carácter da coital relação de dependência mútua entre “a política” e “os negócios”.

Ao contrário do que muitas vezes se argumenta “à esquerda”, o “poder político” não está “dominado” pelo “poder económico”; e ao contrário do que “à direita” assegura, o “poder económico” não está “controlado” pelo “poder político”; na realidade, ambos oferecem algo ao outro, aliviando as respectivas comichões, numa relação simbiótica como a da zebra e da búfaga. Por exemplo, o Estado atribui a uma determinada empresa um monopólio (ou perto disso) num determinado sector de actividade e, em troca, essa empresa oferece ao governo que lhe fez esse favor amplas oportunidades de realizar cerimónias propagandísticas, seja em inaugurações de infraestruturas ou em proclamações de um enorme “sucesso” na “defesa” dos “centros de decisões nacionais”.

Com um bocadinho de sorte, um qualquer político acaba por receber uma confortável aposentação nos quadros de uma qualquer empresa, ou outra qualquer benesse que esta lhe possa facultar. Tudo coisas que que acabam por ser avultadamente pagas pelo português comum, que de tais negócios só vê o peso que estes lhe tiram da carteira.

Esta evidência, que todos os partidos repetidamente lamentam, só é possível graças a algo que nenhum deles quer mudar: como em Portugal não há nada que não passe de uma forma ou de outra pela decisão arbitrária do Estado e dos partidos que o vão ocupando, o “mercado” que “decide” quem ganha o quê não é o da livre interacção e preferências individuais, mas o da influência política e da troca de favores. Quem tenha o número de telemóvel do ministro certo ou um “amigo” bem colocado na empresa conveniente terá o que quer. Os restantes pagam – em impostos ou preços artificialmente elevados – o preço da fortuna dos bem relacionados.

Em Portugal, a corrupção não é um acto ou dois que este ou aquele político ou gestor cometeu ou deixou de cometer. Em Portugal, a corrupção é o sistema sob o qual todos vivemos.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.