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CMVM deve avaliar idoneidade dos administradores das cotadas não financeiras, defende Carlos Tavares

“De nada vale, por exemplo, a uma sociedade ter um grande número de administradores independentes se eles nada perceberem do negócio da sociedade ou se se limitarem a estar presentes nas reuniões do Conselho de Administração”, diz o ex-presidente da CMVM.
20 Junho 2017, 16h15

O atual líder do grupo de trabalho sobre a reforma da supervisão financeira em Portugal e ex-presidente da CMVM defende no seu discurso sobre Reforma Regulatória e Governo das Sociedades, que “a regulamentação não pode fazer tudo”. E alertou que “o órgão de fiscalização e os administradores independentes têm de exercer a sua função de forma competente, independente e de acordo com os mais exigentes padrões de ética”.

Isto é, defende que os órgãos de fiscalização interna das empresas, incluindo os administradores não executivos, não se limitem a verificar formalmente os documentos e exerçam a sua função de fiscalizadores.

“São eles os primeiros guardiões do investimento dos accionistas e o seu papel não pode limitar-se à verificação da correção meramente formal de documentos”, diz.

“Normalmente, quando surgem problemas graves em sociedades cotadas, as pessoas questionam os supervisores. Sem prejuízo das responsabilidades que estes têm, a verdade é que não me recordo de ter visto os accionistas prejudicados pelo desempenho da sua empresa, perguntar às pessoas que estão dentro da empresa por que é que não viram e não actuaram. Por exemplo, a auditoria interna, o departamento de compliance, o Revisor Oficial de Contas, o Conselho Fiscal ou a Comissão de Auditoria, os Auditores, os Administradores independentes… Não me recordo de ter visto propostas de destituição destes elementos por não cumprirem cabalmente as suas funções”, ironiza Carlos Tavares.

Carlos Tavares questiona “não seria suficiente que os accionistas e a gestão das empresas definissem, de acordo com os seus interesses, as regras que melhor lhes servem para conduzir os destinos das suas empresas?” Na resposta o ex-presidente da CMVM lembra que “como temos visto no passado recente, os interesses dos accionistas e da gestão nem sempre estão alinhados”.

“Além disso, o poder e os interesses dos diversos accionistas não são iguais entre si”, acrescenta e finalmente, diz que “há uma dimensão ética que deve estar presente no governo das sociedades que não está necessariamente presente nas decisões individuais em cada organização”.

Para o responsável pela reforma da supervisão financeira que discursa na conferência sobre Corporate Governance em Lisboa, “não há modelos correctos de Corporate Governance que resistam às pessoas erradas; não há boas regras que resistam às más práticas; não há bons princípios de governo societário que resistam à falta de ética e de valores na condução das empresas. Quase me atreveria a dizer que em larga medida os códigos de bom governo poderiam ser substituídos por um código de ética na condução da empresa e dos seus negócios”, defende.

Mas a verdade é que as coisas nem sempre se passam assim e o tema do governo societário ganhou reforçado relevo na sequência do desencadear da crise financeira ainda em curso, sendo as suas deficiências apontadas como uma das causas da referida crise.

Carlos Tavares cita o Relatório De Larosière, que acentua a importância das práticas, para além das regras e recomendações. “A verdade é que apesar dos esforços que foram feitos sobretudo em termos regulatórios, não podemos afirmar que algumas das más práticas que foram visíveis no período pré-crise tenham sido completamente afastadas. Em Portugal, os “casos” mais conhecidos de abalo de grandes empresas financeiras e não financeiras são uma eloquente ilustração prática das consequências do inadequado governo societário, mas seguramente também de défices comportamentais e éticos”, refere.

Os últimos casos incluem a falência do Grupo Espírito Santo, o default da Portugal Telecom, a resolução do Banif, a liquidação do BPP e o caso do BPN que acabou nacionalizado.

“Ao longo dos últimos 20 anos foi possível que algumas dessas grandes empresas infligissem perdas muito avultadas a accionistas, contribuintes e aforradores. Só no sector bancário, a perda de valor para os accionistas ascendeu, entre 2000 e 2015, a mais de 40 mil milhões de euros”, refere.

Segundo relatório da CMVM, 49% das empresas cotadas têm acionista dominante, sendo essa proporção de 78% no caso das empresas que não integram o PSI 20.

O ex-presidente da CMVM lembra que a regulação europeia tem vindo a acentuar as obrigações de informação aos accionistas. E que “a regulamentação e supervisão desta informação é um dever inalienável dos supervisores. Mas também o “pilar” de natureza recomendatória (soft law) não dispensa totalmente a intervenção dos supervisores”, refere.

“Os mecanismos de tomada de decisão, de assumpção de riscos, de controlos múltiplos efectivos têm de estar implantados e ser assegurados pelas pessoas competentes e apropriadas para cada função”, diz Carlos Tavares. “De nada vale, por exemplo, a uma sociedade ter um grande número de administradores independentes se eles nada perceberem do negócio da sociedade ou se se limitarem a estar presentes nas reuniões do Conselho de Administração”, diz. Acrescenta também que “de nada vale a uma sociedade ter mecanismos de controlo de riscos e reporte de irregularidades formalmente perfeitos se as pessoas que os executam não tiverem a independência e a competência necessárias para os aplicar”.

Carlos Tavares alerta ainda para o facto de nada valer a uma sociedade “ter uma Comissão de Vencimentos formalmente independente, mas em que os seus membros são de facto selecionados pelos administradores executivos e são pessoas próximas destes”.  “Esta será provavelmente uma das novas tarefas mais exigentes – mas também mais importantes – dos supervisores, em benefício sobretudo dos accionistas minoritários que têm informação e poder assimétricos relativamente aos accionistas controladores, podendo ainda não ter interesses perfeitamente alinhados”, revela.

Carlos Tavares defende uma comissão que avalie o mérito dos candidatos a funções de fiscalização da gestão das empresas e que a CMVM avalie idoneidade

O líder do grupo de trabalho que elaborou a reforma da supervisão financeira (que ainda não está em consulta pública), sugere assim que que haja uma avaliação do desempenho dos membros dos órgãos de administração e fiscalização das empresas de dimensão significativa e que esta deverá caber “a uma comissão prevista estatutariamente e composta maioritariamente por membros independentes”.

Essa comissão deve assegurar que os processos de selecção e nomeação são transparentes e garantem igualdade de oportunidades, defende. “Para isso, deve adoptar mecanismos de difusão que permitam que todos os potenciais candidatos possam manifestar a sua disponibilidade e demonstrar o seu mérito para a ocupação da posição em causa e assegurar que entre candidatos alternativos adequados ao perfil são escolhidos os que apresentam maior mérito e, em igualdade de condições, aqueles cuja escolha contribua para o objectivo de diversidade”, diz Carlos Tavares.

“A escolha das pessoas é o elemento crucial. Tal como o é a existência de mecanismos efectivos de sanção para os maus comportamentos e as más práticas”, disse ainda.

Além disso, “tenho defendido igualmente que os membros dos órgãos sociais de empresas não financeiras que fazem apelo à poupança pública através do mercado de capitais deveriam ser objecto de um processo de avaliação de idoneidade, neste caso pela CMVM”, defendeu o ex-presidente do regulador do mercado de capitais. Isto é, defende que a CMVM fique incumbida de um processo de “fit & proper” dos administradores de empresas cotadas não financeiras.

Disse ainda que o papel dos acionistas é insubstituível, dizendo que “não podem demitir-se da escolha criteriosa e da avaliação daqueles que elegem para, afinal, gerir o seu dinheiro. Nem da avaliação da forma como o governo da sociedade está a ser executado na prática. Nem podem, os accionistas mais poderosos, cair na tentação de usar o seu poder em benefício próprio contra os interesses da empresa e, portanto, da generalidade dos accionistas”, apelou.

A transparência das políticas de envolvimento e investimento dos investidores institucionais nas empresas em que são accionistas; o controlo da idoneidade dos gestores de empresas que fazem apelo público à poupança; a regulamentação mais estrita das transacções com partes relacionadas; nas sociedades financeiras, restrição do financiamento a accionistas qualificados e a empresas relacionadas; proibição do financiamento de acções próprias e o sancionamento da actuação de accionistas qualificados em benefício próprio, são as propostas deixadas pelo ex-presidente da CMVM

“Estes princípios, bem como todas as boas regras e práticas de “corporate governance” são válidos e facilmente transponíveis para as empresas onde o Estado tem participação e influência significativa”, acrescenta ainda.

Carlos Tavares não esquece a importância do “primeiro pilar”, ou seja, as leis e os regulamentos. “E neste campo ainda há progressos significativos a fazer. Em primeiro lugar, observa-se uma grande diversidade das leis societárias nos países da UE,, com implicações, por exemplo na estrutura das administrações; nos direitos dos accionistas minoritários; e nas regras relativas a transacções com partes relacionadas. Em segundo lugar, verifica-se igualmente grande diversidade dos regimes de OPA, fruto de uma directiva plena de opções para quase tudo. Embora estes dois aspectos sejam relevantíssimos para uma maior integração dos mercados de capitais europeus”, defende.

O ex-presidente da CMVM defendeu a revisão da Directiva de Auditoria dizendo que “representou um progresso assinalável, ao estabelecer regras mais precisas em matéria de rotação obrigatória de auditores e de prevenção de conflitos de interesses, bem como mecanismos de supervisão mais exigentes”, acrescenta. “Mas antes do papel dos auditores está o dos órgãos de fiscalização das sociedades”, reforçou.

“Tolerância zero para os desvios à ética dos comportamentos, às boas práticas empresariais e aos valores fundamentais”, concluiu.

 

 

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