É hoje comum considerar-se que a floresta portuguesa é o “petróleo” de Portugal. O “poço de petróleo” não tem parado de crescer. Hoje, segundo a PEFC (Sistema Português de Certificação da Gestão Florestal Sustentável), a floresta ocupa 3,2 milhões de hectares, o que corresponde a 35,4% do território nacional (a Suécia tem a maior área da UE com 30,5 millhões de ha). A ocupação agrícola representa 32% e o potencial de crescimento da área arborizada é de cerca do dobro caso sejam aproveitadas as áreas de incultos e improdutivos.
Em Portugal, a propriedade florestal é maioritariamente privada, com 2,8 milhões de hectares, ou seja, 84,2% da área total é detida por pequenos proprietários de cariz familiar, dos quais 6,5% pertencem a empresas industriais. Enquanto as áreas públicas correspondem a 15,8% do total, dos quais apenas 2% (a menor percentagem da Europa) são do domínio privado do Estado. Estima-se em cerca de meio milhão os proprietários florestais. Na UE-28, em 2010, 60,3% das florestas era propriedade privada.
Os portugueses que vivem no meio de vegetação – floresta, pomares, mato, pasto, hortas – são muitos deles proprietários dessas pequenas parcelas. Muitos outros proprietários vivem longe, nas cidades. Há muitos que são proprietários de pequenos nacos por via de heranças de que não sabem que são proprietários, nem onde ficam, nem o que lá está.
Muitos dos que vivem em ambiente rural, como os de Pedrógão, é como se vivessem sobre um poço de petróleo – o seu poço. E este é o fulcro da questão, como tem sido evidenciado pelos especialistas que tenho lido e ouvido. É impossível meio milhão de proprietários organizarem-se para protegerem e gerirem o seu poço de petróleo verde. Tem de ser o Estado a dirigir e a ajudar os proprietários a defenderem e valorizarem a sua propriedade. Não existe entre esta diversidade de proprietários o entendimento de bem comum, de cadeia de valor, não há competências nem cultura, nem recursos, nem peso político, nem “network”. É preciso um enorme e continuado esforço de liderança do Estado para ajudar os privados a gerir este valioso mas esquartejado património, que é afinal grande parte do território nacional.
Ao longo de décadas, sucessivos governos não têm tido vontade, capacidade e coragem política para impor a proteção e máxima valorização deste recurso económico, social e ambiental que inclua incentivos e penalizações. Isto é, em boa medida, e como propõe a UE, um programa integrado de gestão. O poder municipal, para quem o atual Governo está a empurrar a responsabilidade da gestão, não tem interesse (eleitoral) em gerir o espaço rural.
Ora, a floresta sustenta uma importante cadeia industrial e integra um forte setor de exportação. Estima-se em dois mil milhões de euros o peso do setor no PIB, superior à média europeia. Dentro de 10 a 20 anos, as terras que arderam estarão pujantes de árvores, boas para arder e ser vendidas, embora ainda não tenham atingido o seu máximo volume e potencial comercial.
Em cada ano que passar, porém, haverá certamente mais mortes a chorar. Mas, afinal, que importância isso tem? São pessoas (“populações”, como lhes chamam) que ninguém conhece. A menos que os media se mobilizem, como agora fizeram, para em permanência não abandonarem este assunto e não largarem os governos, municípios e juntas de freguesia.
Apesar de a UE não ter competência para elaborar uma política comum da floresta, algumas das políticas da União têm impacto nas políticas nacionais. A Estratégia da UE para a Floresta (2014) aborda aspetos da cadeia de valor – recursos florestais, bens e serviços – que influenciam fortemente a gestão da floresta. A estratégia defende uma abordagem holística e evidencia que as florestas não são apenas importantes para o desenvolvimento rural, mas também para o ambiente, em particular para a biodiversidade, indústrias baseadas na floresta, bioenergia e na luta contra as mudanças climáticas.
Na prospeção petrolífera há regulação, há uma diretiva europeia (Safety of Offshore Oil and Gas Operations Directive), sistemas de prevenção, protecção e planos de fuga. Mas, apesar de toda a tecnologia, também há displicência e acidentes como o Deepwater Horizon em 2010, no Golfo do México, em que morreram 11 pessoas. O desastre resultou em mais de cem mil ações nos tribunais americanos contra a BP e seus fornecedores.
Naqueles montes e vales a fuga é difícil, impossível ou não desejada. São pessoas crédulas, mal ou nada informadas, e desprezadas. Elas são a suposta razão de ser de sistemas, corporações e de enormes investimentos. Muitos ainda acreditam que se houver fogo os heróicos bombeiros virão sem falha com carros, aviões e helicópteros para os salvar, a si e às suas propriedades. A maioria prefere morrer defendendo a sua casa. Eles também sabem que, se ficarem, muito maior será a probabilidade do seu castelo não arder. Afinal, muitos dos que morreram eram da região de Lisboa. Decidiram fugir mas uma árvore caída na estrada, o pânico e a asfixia mataram-nos.
Nas ruas das cidades há bombas de incêndio, os edifícios têm avisos nos elevadores, e é raro a rede de comunicações, desde logo por telemóvel, deixar de funcionar. O Presidente da República manifestou a sua incredulidade perante o facto de, durante dois dias, aquela zona ter deixado de ter rede móvel. Pior ainda, segundo notícias, também a rede SIRESP, S.A. falhou uma vez mais quando mais era precisa. O Governo deveria ler o Service Level Agreement (SLA) do SIRESP, Rede Nacional de Emergência e Segurança e não desculpabilizar a empresa.
O sistema também prevê backup via satélite. Existe? Sabe-se que o fogo não consegue chegar lá acima aos satélites e que as antenas parabólicas são móveis. A minha rápida pesquisa revelou que noutras forças de bombeiros ou de segurança estão a ser utilizados drones para fornecer cobertura de emergência no caso de perda de comunicações no solo, como aconteceu.
O SIRESP é a obra de vários governos que constituíram e mantiveram uma inconcebível parceria público-privada de origem e história muito nebulosa para a prestação de serviços de interesse estratégico e de segurança nacional, que custou centenas de milhões de euros. Aparentemente, o sistema já está obsoleto. A investigação que o Ministério Público iniciou deveria desde já solicitar a transcrição das gravações de todas as comunicações que foram e estão a ser realizadas.
Como escreveu o historiador Rui Ramos: “É nestes casos que o vazio de liderança política em Portugal, disfarçado pelo preenchimento regular dos cargos, se torna óbvio. É também nestes casos que fica à mostra a fragilidade extrema do país artificial do optimismo e das boas notícias.”