Escrevi já sobre o plano governamental para a TAP para o criticar por total falta de partilha do risco entre os accionistas da TAP e entre estes e os credores da TAP, numa evidente situação de insolvência desta. Igualmente fiz a necessária declaração de interesses por ter sido advogado do grupo Barraqueiro durante largos anos.
A propósito do episódio da Groundforce e da gravação tornada pública da conversa telefónica havida entre o empresário Alfredo Casimiro e o ministro das Infraestruturas e Habitação, foi dito por este que o empresário Humberto Pedrosa seria “quase reduzido a pó” no anunciado aumento de capital por conversão do empréstimo em capital social da TPA, senti a necessidade de escrever mais algumas linhas sobre este tema.
Esta conversa leva-me novamente a criticar a abordagem governamental ao universo da TAP, já que a Groundforce é uma participada desta, sem controlo jurídico daquela somente por evidentes problemas jus-concorrenciais e imposição das autoridades da concorrência competentes.
Comecemos pelo mais evidente tratamento discriminatório dos accionistas, motivado pelo saloíssimo e bacoco complexo de inferioridade deste governo. Um, estrangeiro, recebeu uns largos milhões por uma participação social que, atendendo às circunstâncias alheias à sua vontade é certo, valia zero. O outro, apelidado pelo mesmo Governo de empresário patriótico, foi votado ao ostracismo e agora reduzido a pó, motivado pelo preconceito anti-empresário e anti-iniciativa privada deste ministro (et pour cause deste Governo).
É assim que este Governo apoia os empresários portugueses!
Depois, a protecção dos credores da TAP sem qualquer razão que o justifique. O princípio do moral hazard da insolvência implica que todos, sem excepção, sejam chamados ao sacrifício da recuperação da empresa. Faz algum sentido que os obrigacionistas sejam protegidos quando a situação líquida da sociedade é negativa? Estes deveriam ter sido colocados perante um cenário de liquidação da TAP e logo se veria qual a taxa de recuperação do seu crédito. A partir daí, dar-se-ia um write off total ou parcial desse créditos, com a vantagem e o incentivo de o Estado estar disponível para injectar uns milhares de milhões para o turn around da empresa e garantir a solvabilidade da TAP e consequentemente a recuperação de parte desses créditos.
Sobre a empresa de handling, a questão é a de saber se faz sentido fazer o mesmo? O principal cliente desta empresa é a sua accionista, a TAP, o que me faz indagar o que a Autoridade da Concorrência pensa (pensou) sobre o controlo fáctico daquela empresa e os constrangimentos jus concorrenciais que esse domínio acarreta.
Concordo com o empresário da Groundforce quando pede ao seu cliente um mero adiantamento de verbas por prestação de serviços futuros. Aceito que a TAP não esteja num momento de liquidez que lhe permita fazer isso. O que não percebo é que se peça uma garantia real das acções representativas do capital de um empréstimo ponte (bridge loan) até que seja aprovado pelo banco de fomento, banco público, um empréstimo que depende do aval do governo que é o accionista controlador do credor pignoratício e dono do banco de fomento.
Diria que esse penhor estaria fulminado de nulidade por violação de um pacto comissório que impede um credor de fazer sua a coisa empenhada. É que o Estado, lamentavelmente, não é visto pelos empresários como uma pessoa de bem. E bastaria ao credor Estado não prestar o referido o aval (ou atrasar intencionalmente a sua prestação) para ficar potestivamente com as acções que lhe daria o controlo – proibido pelas regras da concorrência – da Groundforce, o que não me parece correcto ou equilibrado.
Isto para dizer que ou muito me engano ou o ministro quer “nacionalizar” a Groundforce, mas uma vez sem ter um plano estruturado (o simples episódio de ninguém se lembrar de diligentemente verificar se as acções estavam ou não livres de ónus e encargos revela muito do nível de competência do governo).
Agora fala-se de realizar um aumento do capital social da Grounforce para injectar dinheiro na empresa e do mesmo passo controlar a empresa: o verdadeiro desiderato deste arauto da colectivização da economia!
O que talvez fosse bom explicar ao Senhor ministro é que a Autoridade da Concorrência, e a Comissão Europeia, não vão permitir o controlo público perpétuo da Groundforce e da TAP por manifesta violação do direito europeu e da concorrência.
O meu conselho como advogado é o mesmo que dei a propósito da TAP: deixar o mercado operar, através da propositura de um processo judicial de revitalização da empresa, pedindo sacrifícios aos credores, designadamente à TAP, e aos accionistas, incluindo novamente a TAP, e tentando demonstrar a viabilidade económico-financeira do negócio (e aqui o histórico é positivo, pese embora a excessiva dependência da TAP como cliente) para buscar um novo investidor privado que subscreva e realize um aumento de capital. Nesta fase pandémica, impõem-se dar os mesmos apoios financeiros que a qualquer outra empresa que, por razões de força maior não imputáveis à mesma, se encontram em situação de não poder operar.
Alguma coisa me diz que, por puro preconceito ideológico, não se irá, novamente, por esse caminho…
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.