É da natureza humana que em tempo de desespero se tente encontrar um alvo para a raiva, a impotência, a dor, o desânimo. Culpam-se os deuses, a natureza, o outro e, sobretudo, o governo, essa entidade todo-poderosa que domina o céu, a terra e tudo o que neles existe.
Estamos de luto e correm rios de tinta negra, mas inflamada, sobre a catástrofe natural que ceifou vidas, lançou o pânico e destruiu parte importante da nossa floresta. Desta vez não houve aqui mão criminosa, mas sim um conjunto de fenómenos que, conjugados, deram origem a um verdadeiro inferno. A Natureza nem sempre é mãe e os seus caprichos são imprevisíveis e incontornáveis. Isto sabem-no bem países evoluídos do ponto de vista da prevenção de catástrofes, como os EUA ou a Austrália. Daí que seja necessária alguma prudência e contenção no apontar o dedo. Que há imenso a fazer é indiscutível. Que se tem vindo a negligenciar o território rural, é um facto. Que há que apurar responsabilidades de algumas falhas ao nível da prevenção e da utilização de meios, sem dúvida. Agora, não devemos incorrer nos linchamentos públicos, utilizando uma catástrofe que nos enluta, com um fim próprio e muito arredado do cerne da questão.
Não morro de amores pela Senhora Ministra da Administração Interna. Já a critiquei pública e diretamente. Considero que foi um erro de casting baseado nas suas qualidades técnicas mas que não teve em conta a sua inabilidade política. Tão pouco me move qualquer sentimento de empatia com o momento de emoção demonstrado publicamente. No entanto e dito isto, não ficaria de bem com a minha consciência se a não defendesse nesta tentativa de linchamento pessoal e político, que a culpa de toda a situação vivida nos últimos dias e exige a sua demissão.
O problema dos fogos rurais é transversal a diversos ministérios e governos. Desde a década de 80 que o abandono progressivo e sistemático dos campos agrícolas votou grande parte do território nacional ao abandono. O progresso destas últimas décadas nem sempre seguiu um plano adequado de ordenamento do território, tendo-se submetido a interesses económicos esses sim sobrepondo-se a todo o interesse nacional. Naturalmente que a culpa não pode morrer solteira e há questões pertinentes que têm, obrigatoriamente, que ser colocadas. Por exemplo, para que serviu o investimento de milhões no SIRESP, que se veio a comprovar ser inoperante; porque se extinguiu o Corpo de Guardas Florestais e Guarda-Rios e tantas outros cuja génese remonta ao passado e que têm nomes, rostos e responsabilidades que têm de ser identificados?! Agora, não se crucifique quem neste momento dá tudo o que pode para enfrentar um inimigo poderoso e implacável. Aliás, a haver cabeças a rolar, é importante que se vá além da cúpula do MAI, isto é, ao Ministério da Agricultura e ao Ordenamento do Território, pois se àquele se pede um combate eficaz e célere, a este exige-se a prevenção e a fiscalização de medidas, que na maior parte das vezes não saem do papel.
Por estas razões hoje defendo a Senhora Ministra Constança Urbano de Sousa. Não porque a considere adequada ao cargo que ocupa, mas porque não posso pactuar com os que se aproveitam de momentos extremos para fazerem o que não têm muitas vezes a coragem de fazer no momento e nos locais próprios. Sempre odiei aves de rapina!