Os contornos do caso Rúben Amorim são já amplamente conhecidos, embora a acusação propriamente dita não seja pública. Foram já avançadas diversas análises jurídicas, mas o caso tem ainda muito que se lhe diga. Antecipando uma possível condenação por parte do Conselho de Disciplina – repetindo a história de 2019, quando Rúben Amorim era treinador-estagiário do Casa Pia –, o Sporting irá recorrer dessa decisão, eventualmente até ao Tribunal Constitucional, pelo que é fundamental averiguar a força do argumento de inconstitucionalidade que o Clube avançará.
No fundo, o Sporting argumentará que é inconstitucional o quadro legislativo e regulamentar que institui os processos de certificação de habilitações dos treinadores. Em concreto: a Lei nº 40/2012 (alterada pela Lei nº 106/2019); e, no que às ligas profissionais diz respeito, o Regulamento das Competições da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (artigo 82º), que impõe a titularidade do “nível IV – UEFA Pro” ao treinador principal. Inconstitucionalidade que decorre da afetação substancial da liberdade de escolha de profissão, tal como resulta do artigo 47º da Constituição.
Para sustentar o regime em causa, seria preciso demonstrar interesses coletivos que justifiquem essa restrição (para além, claro está, de uma justificação circular de capacitação dos profissionais), sob pena de o Estado estar a interferir numa averiguação de competências que caberia inteiramente à entidade empregadora, na sua livre e autónoma iniciativa económica. No artigo 2º daquela lei, o próprio legislador identifica a promoção da ética e deontologia desportivas, a saúde e segurança dos intervenientes, enfatizando o caráter formativo da profissão.
Conhecidas as debilidades dos cursos de formação no tocante às vagas e à sua periodicidade, ambas imposições da UEFA, mas também os períodos de espera entre cada habilitação, distintivos da regulamentação nacional, não se vê que esta limitação seja proporcional à prossecução de fins tão genéricos como os acima citados.
Na verdade, a pretexto de fazer cumprir a lei, a Associação Nacional de Treinadores de Futebol e a Comissão de Instrutores parecem antes ter vindo expor debilidades sérias que apontam no sentido da inconformidade do regime com a Constituição. Debilidades que se escondiam naquele equilíbrio implícito que, desde 2005, se mantinha no futebol português, de dar cumprimento ao referido artigo 82º de forma estritamente formal: a presença de um técnico com o nível IV, ainda que não o treinador principal de facto). Justamente aquilo que agora se qualifica de fraude.
Ora, se a ideia é proteger os desportistas e a qualidade da sua formação, não basta que, na equipa técnica como um todo, haja um técnico titular do nível IV, independentemente de se afirmar como treinador principal?
Enfim, sabendo que a profissão sempre teria de ser regulamentada para dar cumprimento às imposições da UEFA, mal andaram os intervenientes no caso em apreço, sendo difícil descortinar algo mais do que imposições formalistas da lei a dar voz aos já conhecidos impulsos corporativistas da ANTF.