É já depois de amanhã que se inaugura a nova rota entre Pequim e Lisboa. Quinhentos anos depois da embaixada de Tomé Pires, seis volvidos sobre o profético projecto de Paulo Futre, China e Portugal passam a distar um voo directo. Embora imediatamente adicionada ao anedotário nacional, a ideia de Futre não era totalmente descabida: em 2012, a China tornou-se o principal mercado emissor de turistas, posição que manteve, com taxas de crescimento de dois dígitos. A sua população superior a mil milhões de habitantes gerou, em 2016, mais de 80 milhões de viagens. E as perspectivas até 2020 são de aumento. Em Portugal, o mercado chinês representou, no ano passado, 183 mil hóspedes, num total de 307 mil dormidas.

O Sporting não contratou o melhor jogador chinês, mas o Turismo de Portugal fez um protocolo com o Grupo HNA. E é assim que os Airbus 330-200 da Beijing Capital Airlines vão fazer três ligações directas por semana, uma aposta considerada estratégica. São 40.560 potenciais passageiros até ao final de 2017. E, embora não venham em charters, para uma excursão ao Alvalade XXI, é muito provável que os encontremos em grupo, devidamente acompanhados de um guia, a fazer passeios previamente estabelecidos, cumprindo o estereótipo. É que a China – e esta informação é capaz de surpreender algumas pessoas – não é uma democracia (aliás, uma dica: se uma República se adjectiva de Popular e/ou Democrática, é muito provável que o seu povo não viva num regime democrático).

Ora, como muito bem observou Mark Twain, “viajar é fatal para o preconceito, a intolerância e as ideias limitadas”; é, pois, fatal para as ditaduras. O que deve explicar o facto de o Estatuto de Destino Aprovado concedido em 2004 à Comunidade Europeia se aplicar somente a grupos, que são mais controláveis que turistas independentes, que escolhem as suas próprias experiências no destino e aquilo com que contactam.

Percebe-se, assim, que chineses a viajar por sua conta, em estilo deambulante, não sejam o mais comum. A maioria dos turistas vindos da China continua a preferir a compra de um pacote excursionista. Enquanto esta tendência não se inverte, fruto designadamente do surgimento de uma classe média urbana, há aqui uma oportunidade para trabalhar junto das agências de viagens a definição de itinerários que fujam ao típico sightseeing e incluam as regiões que até agora têm ficado arredadas dos impressionantes números do turismo. Presumo que o objectivo do desenvolvimento regional e da redução das assimetrias seja muito caro na República Popular da China.

No século XVI, a primeira missão diplomática portuguesa à China foi um desastre. Parte da embaixada foi morta, parte foi presa e Tomé Pires nunca chegou a ser recebido pelo Imperador, numa história que ilustra bem como o desconhecimento das diferenças culturais pode ser um obstáculo sério ao estabelecimento de relações económicas frutuosas. Meio milénio passado, faço votos de outro desfecho.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.

 

Disclaimer: As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente a sua autora.