A uns metros da entrada do campo de concentração de Auschwitz, várias lápides recordam a razão pela qual aquele sítio hediondo, onde pelo menos 1,1 milhões de pessoas foram assassinadas, não foi destruído, mas transformado em museu: para que as gerações seguintes não esqueçam o que ali se passou e aquilo de que o ser humano é capaz. Nas paredes dos vários edifícios que compõem o complexo estão inscritos os mais importantes factos históricos referentes ao holocausto e diversas frases proferidas pelos seus protagonistas. Uma delas é atribuída a Otto Thierack, Ministro da Justiça do Terceiro Reich: “temos que libertar a nação germânica de polacos, russos, judeus e ciganos”.

Ainda hoje, todos os anos, antigos prisioneiros de Auschwitz I (o campo de trabalho) e de Auschwitz II – Birkenau (o campo de extermínio) visitam o recinto no aniversário da sua libertação pelo Exército Vermelho. São cada vez menos, mas continuam a fazer questão de comparecer para ajudar a preservar a recordação do sofrimento por que passaram e de qual foi a principal razão que levou ao maior crime já cometido contra a humanidade: o ódio racial.

Não obstante o esforço que estes heróis continuam a empreender para que a nossa memória não turve, parece que muitos já esqueceram ou relativizaram as atrocidades cometidas ainda há poucas décadas. Nos últimos anos, o contexto social originado por uma grave crise financeira e pelo terrorismo levou a que alguns vissem nisso uma oportunidade para colocar o racismo na agenda política. Não interessa se por convicção ideológica ou por mero oportunismo político, a verdade é que o discurso favorável à segregação de minorias étnicas regressou em força, e com a agravante de não parecer confinado a nichos políticos. Nuns casos, indivíduos integrados em partidos de governo, como Boris Johnson, no Reino Unido, ou Donald Trump, nos EUA, venceram eleições com discursos nacionalistas, xenófobos e racistas. Noutros, candidatos de partidos de extrema-direita, como Marine Le Pen em França, alcançaram votações históricas.

A publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, levou à proclamação dos princípios da igualdade entre todos os seres humanos e da proibição da discriminação em função da cor, raça, religião, entre outros. A civilização evoluiu e é claro que mesmo dentro do discurso racista há distinções a fazer. A retórica de Trump e de Le Pen não é igual à dos ideólogos nazis como Hitler ou Himmler. Enquanto estes promoviam o ódio racial e propunham dizimar as raças ditas inferiores, os discursos políticos racistas contemporâneos promovem o ódio racial mas limitam-se a advogar a expulsão de determinados grupos étnicos das respetivas sociedades. Trump, por exemplo, ganhou as eleições a prometer expulsar os muçulmanos dos EUA e a construir um muro na fronteira com o México. Não prometeu mandar mexicanos e muçulmanos para Guantánamo.

O fenómeno parece estar agora também a chegar a Portugal com um candidato autárquico no município de Loures. Até aqui, o discurso xenófobo e racista cabia a gente pouco ou nada relevante e a partidos razoavelmente insignificantes no panorama político nacional. Era o caso do José Pinto Coelho e do partido que lidera, o PNR. Mas, com esta candidatura, algo parece ter mudado. Não a dimensão ou relevância de quem profere este tipo de discurso, mas a relevância do partido que o apoia. O PSD é um partido demasiado importante e com demasiadas responsabilidades na democracia portuguesa para ter contemplações de qualquer espécie com as posições do seu candidato em Loures. Ainda que meramente oportunistas, são profundamente irresponsáveis. Não se trata de debate político nem de liberdade de expressão.

O que se passou na Europa na década de quarenta do século passado foi demasiado repugnante, atroz e recente para que haja complacências com um qualquer populista que, para ganhar votos, defende, de forma mais ou menos aberta, a segregação de determinadas etnias. Se é certo que seria um exagero comparar o que diz este jovem candidato autárquico com o que dizia Thierack, a verdade é que este tipo de conversa, em tempos que não estão assim distantes, já acabou muito mal, causou muito sofrimento e não pode tolerada por um partido com as responsabilidades do PSD.

Nas lápides à entrada do museu de Auschwitz figura o nome de Portugal entre os dos Estados que fazem questão de apoiar a preservação daquele sítio para memória futura. O PSD tem a obrigação de estar à altura do país.