Depois de um hiato forçado de três anos, a Grécia voltou esta semana ao mercado de dívida, com os olhos postos no fim do programa de ajuda externa, em 2018. Suportado por uma postura mais otimista do Eurogrupo e do Fundo Monetário Internacional (FMI), o país liderado por Alexis Tsipras começa aos poucos a reconquistar a confiança dos investidores.
“Os mercados podem ver que a Grécia tem agora uma possibilidade de emergir da longa crise”, explicou Nick Malkoutzis, diretor da MacroPolis, um portal de análise económica em Atenas, ao Jornal Económico. “Os principais objetivos foram restabelecer a relação com os mercados e reduzir a curva das yields gregas para que quando chegar o fim do programa no próximo ano, os custos de financiamento estejam num nível considerado sustentável. Tendo em conta estes critérios, penso que a emissão foi apenas o primeiro passo”.
Para o ministro das Finanças, Euclid Tsakalotos, a colocação de três mil milhões de euros em obrigações a cinco anos correu “melhor que o esperado”, como disse a um canal de televisão grego. “A partir de agora estamos focados em agosto de 2018. Isto não é o fim. Vai haver uma segunda e uma terceira [emissões] para chegarmos a agosto de 2018 com confiança e emergirmos dos resgates”.
A Grécia foi, em 2010, o primeiro Estado da zona euro a pedir um resgate internacional, com o impacto da crise financeira global a ser exacerbada pela revelação que sucessivos governos em Atenas tinham manipulado os dados económicos, nomeadamente para esconder o peso real da dívida. O pedido de ajuda, no valor 110 mil milhões de euros, tinha como condições duras medidas de austeridade que atiraram a economia helénica para uma profunda recessão e foi seguido por um segundo resgate (de 130 mil milhões), passado pouco mais de um ano.
O drama grego acentuou-se em 2015 após o Syriza, partido de extrema-esquerda liderado por Tsipras ter chegado ao poder. As posições anti-austeridade do então ministro das Finanças Yannis Varoufakis levaram a negociações tensas com os parceiros europeus sobre um terceiro resgate, com o cenário de uma saída grega da zona euro a fazer tremer o bloco. Um acordo de última hora desbloqueou o financiamento, mas novamente com contrapartidas dolorosas. “Sabemos que o povo grego sofreu muito, mais que merecia”, disse Tsakalotos esta semana.
Sob resgate, a Grécia foi excluída do programa de obrigações da zona euro do Banco Central Europeu e só no mês passado conseguiu convencer os credores a considerarem um alívio da dívida.
Promessa de alívio
O fim do sofrimento poderá estar próximo e o governo de Atenas está a prepará-lo. O timing para a colocação de dívida foi sintomático. “O acordo entre a Grécia e os credores na reunião do Eurogrupo a 15 de junho foi a chave porque abriu o caminho para a Grécia sair do programa da UE e FMI no próximo verão”, apontou Malkoutzis. “Um fator chave aqui é a promessa sobre o alívio da dívida, que tem o potencial de tornar um programa de saída sustentável”.
Em junho, os credores internacionais aprovaram mais uma tranche de financiamento à Grécia no valor de 8,5 mil milhões de euros, mas, mais importante que isso, fizeram duas cedências. Por um lado, acordaram que o plano de pagamento dos empréstimos ficará associado à taxa de crescimento do país, ou seja, quanto mais acelerar a economia, mais terá a Grécia de pagar em cada amortização.
Por outro, o Eurogrupo decidiu estender o plano de reembolsos do segundo bailout até 15 anos. Referente ao período entre 2012 e 2015, este foi o maior empréstimo à Grécia e equivale a cerca de metade do total da dívida. As duas medidas serão aplicadas até ao próximo verão e os credores vão ainda discutir a possibilidade de aprofundar o alívio.
O FMI, a mais resistente entre as instituições credoras, também deu recentemente um voto de confiança ao país. O fundo aprovou um empréstimo condicionado, no valor de 1,6 mil milhões de euros, pondo assim fim a dois anos de especulação sobre se iria alinhar com os restantes credores na ajuda financeira à Grécia.
No entanto, o que o FMI anunciou foi um acordo de princípio para uma aprovação condicionada. Christine Lagarde sublinhou que mantém as dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida grega. “Tem de ser acordada uma estratégia de dívida ancorada em pressupostos mais realistas. Espero que um plano para restaurar a sustentabilidade da dívida seja acordado em breve entre a Grécia e os parceiros europeus”, afirmou a presidente do FMI, na semana passada.
Virar a página
“Do ponto de vista político, o objetivo principal de Tsipras era mostrar que a Grécia já fez progressos”, disse Malkoutzis da MacroPolis, explicando que a transação envolveu uma troca de dívida emitida em 2014 e a emissão de novas obrigações da mesma maturidade, cinco anos, num total de três mil milhões de euros.
A yield de 4,625% e a procura de 2,08 vezes “não foram especialmente impressionantes”, mas “o governo ficou satisfeito que a taxa tenha ficado ligeiramente abaixo do que a venda há três anos”.
A taxa paga pela Grécia é comparável com os regressos aos mercados de outros países que passaram por resgates, como Portugal, a Irlanda ou o Chipre. “A Grécia começou a emitir obrigações mais cedo (13 meses antes do final do programa), porque o relacionamento com os mercados está num estado pior que os outros tinham e, depois de sete anos de programa, precisa mais tempo para ganhar a confiança dos investidores”.
A generalidade dos analistas viu a emissão como um sinal favorável, algo que poderá dar confiança sobre a independência financeira do país após o fim do programa. “O regresso bem sucedido da Grécia aos mercados envia uma mensagem clara que o país está finalmente a dobrar a esquina após o recente programa de resgate. O nível de apetite dos investidores pelos bonds vai dar uma confiança reforçada às finanças da Grécia no futuro”, disse Dimitri Sofianopoulos, partner de mercados de capitais na Norton Rose Fulbright, ao jornal britânico The Guardian.
Os credores também elogiaram a operação, provavelmente porque não querem ter de emprestar mais dinheiro à Grécia. Pierre Moscovici, comissário europeu para os assuntos económicos e financeiros, frisou que “o regresso aos mercados foi uma boa notícia e mais um sinal positivo de confiança na economia”. Acrescentou que a Grécia está “a virar a página”. No entanto, Moscovici lembrou que o país foi afetado de forma dura pela crise e que continuam a ser necessárias reformas estruturais.
Jennifer McKeown, do Capital Economics, aponta também que o setor da banca na Grécia continua num estado “muito precário”, com o peso do crédito mal-parado e do baixo nível de depósitos. “E, de forma crucial, a montanha da dívida pública continua enorme, em cerca de 180% do PIB”, explicou.
Malkoutzis vincou que os investidores querem ver o governo a implementar as ações acordadas com as instituições e a passar a próxima avaliação do resgate para se sentirem mais confiantes. “A Grécia sofreu tantos revés no passado que ninguém pode estar 100% confiante que tudo vai ser simples desta vez”, disse.
“A receita é clara: completar a avaliação, ir de novo aos mercados, esperar pela discussão sobre o alívio da dívida após as eleições alemães, implementar as restantes reformas e, depois, quando abandonar o programa em 2018, aproveitar ao máximo as medidas de alívio da dívida bem como o retorno ao crescimento e otimismo”.
Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.
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