O que é considerado assédio moral no trabalho? Como identificar?
O assédio moral é um conjunto encadeado de factos, que podem ser consubstanciados em comportamentos ativos ou omissivos, cujo objetivo ou resultado é a criação de um ambiente de trabalho intimidativo, hostil ou degradante. Nem sempre o objetivo é que o trabalhador visado saia da organização, sendo frequentemente usado como forma de alegada otimização dos recursos humanos, pese embora, em Portugal, os casos mais conhecidos tenham na sua base a intenção de fazer cessar uma relação laboral.
Pode dar exemplos concretos?
O assédio pode ser reconhecido através de um conjunto de manifestações, como por exemplo não se atribuírem tarefas de todo, atribuírem-se tarefas usualmente desempenhadas por outros trabalhadores de graus hierárquicos inferiores ou, ainda, exigir o cumprimento de um acervo demasiado vasto, com vista a procurar-se um erro. Há ainda casos de se cortarem os canais de comunicação usuais, como a internet, proibirem-se os colegas de contactar o trabalhador, não se convidar o trabalhador para reuniões, sonegar-lhe informação, submetê-lo a constantes críticas à frente de terceiros, mudar-lhe, sem razão aparente, o posto de trabalho ou as condições de trabalho, alterar-se as componentes retributivas, por exemplo, no que se reporta à isenção de horário de trabalho ou à viatura, entre outras.
O que diferencia o assédio de outras realidades laborais, como o stress determinado por uma gestão mais veemente?
É o carácter continuado das condutas, que cria no trabalhador objeto das mesmas a ansiedade de não saber com o que se vai deparar de seguida.
A atual legislação é suficiente? Os trabalhadores estão protegidos?
A atual legislação prevê a única possibilidade de os trabalhadores objeto deste tipo de condutas serem indemnizados pelos danos morais que lhe foram causados. Contudo, recentemente, foi aprovada uma proposta de lei que altera, para melhor, a tutela dos mesmos, designadamente impondo uma presunção de despedimento abusivo sempre que o trabalhador visado tenha sido objeto destas práticas, bem assim no que se reporta a outros trabalhadores que tenham sido ouvidos em eventuais processos disciplinares ou em ações em tribunal. Por outro lado, o ressarcimento dos danos causados foi também alargado, passando a constar da disciplina dos acidentes de trabalho. De fora ficou, por ora, uma ideia do Bloco de Esquerda e do PCP, no sentido de em todos os casos de assédio haver uma repartição do ónus da prova, bastando ao trabalhador a demonstração de que os factos ocorreram e passando a competir ao empregador a prova de que tais factos têm uma razão objetiva. Esta repartição já existe mas apenas para os casos de assédio discriminatório, sendo que a proposta dos dois partidos a que me refiro não mereceu o acolhimento do PS, do PSD e do CDS.
Há muitos casos que vão a tribunal? É difícil provar uma situação de assédio?
Durante anos, não se falou de assédio moral em Portugal. Tive a oportunidade de apresentar as que devem ter sido as primeiras ações em Portugal sobre o tema, ainda ele não se encontrava previsto no Código do Trabalho. A informação que passou a existir sobre o tema determinou, também, que mais trabalhadores conseguissem reconhecer e identificar a realidade com que se deparam e, por via disso, as ações sobre esta questão terão aumentado, não obstante a crise económica ter representado um retrocesso a este nível, em função das pessoas terem, genérica e fundadamente, receio de perderem o posto de trabalho. Ainda assim, quando a relação cessa, muitas vezes a questão é trazida à apreciação do tribunal. Pelos motivos que já explicitei, é difícil provar uma situação de assédio porque as principais testemunhas serão colegas do visado, também com receio de perderem o posto de trabalho.
Como vê a alteração do Código do Trabalho agora aprovada?
Representa um claro avanço, mas ainda não suficiente. De todo o modo, mesmo perante a dificuldade de obtenção de prova testemunhal, existem outros meios de o conseguir demonstrar, seja pela intervenção da ACT [Autoridade para as Condições do Trabalho], seja por emails, elucidativos, por exemplo, da atribuição da tarefas desprestigiantes ou até da sua inexistente, da inexistência de convocatórias, de organogramas que demonstrem a descida de estatuto laboral, entre outros. Em suma, diria que a prova, não sendo fácil, não é impossível e já era feita antes de o assédio estar previsto na legislação portuguesa.
Taguspark
Ed. Tecnologia IV
Av. Prof. Dr. Cavaco Silva, 71
2740-257 Porto Salvo
online@medianove.com