Recordando algumas ideias sobre responsabilidade política:
- a) a História da democracia representativa e, sobretudo, o seu desenvolvimento no parlamentarismo britânico marcaram bem a distinção entre responsabilidade política e responsabilidade criminal;
- b) assim não se aplicam à responsabilidade política os princípios da presunção da inocência, do ónus da prova, da certeza da culpabilidade, da natureza pessoal da falta, da exigência da imparcialidade e do princípio da legalidade;
- c) os sujeitos da responsabilidade política são, em primeira linha, os membros do Governo individualmente considerados, mas a verdade é que pela má governação, ainda que de determinado departamento, o Governo responde no seu todo;
- d) e porque assim é, a responsabilidade afere-se por uma acção ou omissão de determinado titular de cargo político no exercício da sua função: a democracia britânica consolidou bem esta ideia ao afirmar que, mesmo quando o funcionário público ou o dirigente da Administração assume o erro, a responsabilidade é sempre do membro do Governo;
- e) este último ponto é relevante, na medida em que o governante (ministro ou secretário de Estado) escolhe livremente os seus colaboradores, sendo também responsável pelo acerto ou desacerto dessa escolha; se estes últimos erram por acção ou omissão, o ministro ou secretário de Estado é responsável politicamente;
- f) a responsabilidade dos membros do Governo decorre do que fazem e do que não fazem (omissão), e só não será assim se os actos lesivos se traduzirem em desobediência à ordem expressa do ministro; ou seja, se o governante alega que não teve conhecimento do acto sempre e quando a obrigação de o conhecer exista, então ele é responsável politicamente ainda que prove que ignorava a sua efectiva prática; se o simples desconhecimento do governante bastasse para o eximir da responsabilidade política o ministro que por sistema não se inteirasse de nada nunca seria responsável;
- f) assim, os ministros ou secretários de Estado devem demitir-se se se verificar a ocorrência de erros graves por acção e omissão, nos departamentos que tutelam, na medida em que os actos dos altos dirigentes da Administração Pública Civil ou Militar são actos dos governantes;
- g) esta admissão da responsabilidade política individual, quando assume foros de grande gravidade e tem consequências na perda de vidas humanas, deve envolver a responsabilidade colectiva de todo o Governo;
- g) a tudo isto se aplica a velha máxima britânica: “when things go right the ministers take the credit; when things go wrong they take the blame“.
Esta é a singela lição de 300 anos de democracia no mundo, que nos ajudam a entender o conceito de “regular funcionamento das instituições democráticas”.
Perante o que se deixa exposto, e passados quase dois meses das tragédias de Pedrógão e de Tancos, o que é que fazem os senhores ministros da Administração Interna e da Defesa Nacional nos seus lugares? E, perante o espectáculo de verdadeira irresponsabilidade política exibido pelo primeiro-ministro e pelo Governo, o que fez o senhor Presidente da República, que, justamente, deveria evitar o “irregular funcionamento das instituições democráticas” (art.º 195º nº2 da CRP)?
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.