No último mês tive a felicidade de participar em dois casamentos em que os noivos eram portugueses de segunda geração. Em ambos os casos, os pais optaram pelo nosso país como local para viver. Corria então a década de setenta do século passado. Nessa altura, Portugal ainda não era o destino de imigração que é hoje, mas certas comunidades, mesmo sem grandes laços históricos e com culturas completamente diferentes das nossas, aqui se instalaram e aqui (re)fizeram as suas vidas. De forma discreta, quase impercetível, mantiveram as raízes que os uniam aos seus países distantes, cumprindo as nossas leis e respeitando os nossos usos e cultura. Viveram ao nosso lado tempos conturbados: os últimos tempos da ditadura, o 25 de Abril e a incerteza que se lhe seguiu. Nunca pensaram sair.
“Esta já era a nossa casa. É duro deixar tudo para trás, é como perder um pedaço do coração. Fazê-lo duas vezes é arrancar a alma.” O homem que assim me fala é o pai da noiva, um médico que fala uma língua estranha com a maior parte dos convidados, mas que é português há mais de 40 anos. Além das cinco filhas, trouxe ao mundo centenas de crianças que, sem conhecerem raça cor ou nacionalidade, deram o primeiro vagido nas suas mãos. Muitas delas estão ali, numa paleta de cor e descontração. Sim, Portugal é um país acolhedor! A nossa capacidade de miscigenação colocou-nos em todas as partes do mundo e é a mesma que consegue atrair todos os povos, todas as religiões. Então, como se explica que há pouco tenha surgido um suposto estudo que nos dá como um país racista e intolerante, avesso à mudança e desconfiado do outro que é diferente? Será que involuímos desde há 50 anos atrás?
Os jovens que se uniram em duas cerimónias tão diferentes do que estamos habituados, foram os mesmos que contraíram casamento segundo a nossa lei civil e onde consta como nacionalidade aquela que é óbvia: portuguesa. Falam a língua dos seus avós, têm a mesma religião e praticam os mesmos ritos culturais. Mas aqui nasceram e é aqui que irão criar os filhos. Para eles conseguimos criar um ambiente de integração total, natural, quase sem nos apercebermos. Conseguiremos o mesmo para as futuras gerações?
Claro que há 50 anos as comunidades indiana e chinesa eram diminutas. Mas mais uma razão para nos congratularmos desta integração! Portugal era um país tão cinzento que qualquer pincelada de cor o abalava. E, no entanto, soubemos acolher meio milhão de “retornados” que alteraram completamente o Portugal retrógrado e limitado de então. Nem tudo foram facilidades, mas uma década depois já ninguém se lembrava do tempo em que os olhares eram de espanto pela diferença. Sem dúvida que estivemos muito longe dos grandes êxodos culturais que atingiram a França ou a Alemanha. Mas nenhum deles conseguiu integrar esta riqueza de diversidade que nos mantém seguros e confiantes no futuro. E esta forma de acolhimento e convivência é algo que temos que manter sob pena de ficarmos mais pobres e menos seguros. A verdadeira segurança não se faz nas ruas com polícias, vigilância, fiscalização e medo. A segurança real faz-se através da integração, da convivência, do respeito mútuo, da igualdade e da fraternidade entre todos. Só assim se consegue preservar o maior de todos os bens humanos: a liberdade!