Completam-se amanhã 20 anos sobre a morte trágica de Diana Spencer, Princesa de Gales, em Paris, num acidente de carro. Escrevi nesse momento para o Semanário Económico o texto ”Diana, a Princesa Analógica” que hoje proponho revisitar e que foi também publicado no livro “Televisão, o Nosso Medium Preferido” (Edições Universitárias Lusófonas, Lisboa, 2011).
A cerimónia fúnebre na Catedral de Westminster é o leit motiv da crónica, que se tivesse sido escrita hoje no título teria a palavra “digital” em vez de “analógica”, mas naquele momento TV digital e Internet estavam na infância. Teria também realçado o papel fundamental dos jornais tablóides na construção – e destruição – de Diana.
Diana era uma mulher belíssima, mas inconformada e socialmente inadaptada. Foi protegida pela avó materna depois a mãe ter fugido de casa e o pai ter casado pela segunda vez em segredo. Queria ser recordada como uma “figura humanitária”. Em vida apoiou numerosas instituições de solidariedade social, investigação e hospitais. São recordados o seu aperto de mão “anti-tabu” a um doente com HIV e a coragem na visita à desminagem em Angola. Os seus dois filhos são o seu principal legado ao continuarem a oferecer a influência da sua prestigiada posição no apoio a causas humanitárias e são, por isso, considerados os “salvadores da monarquia”.
De todos os sentimentos, nenhum é mais emotivo que a morte, em particular a morte inesperada de quem se ama e se julga conhecer. Era este o caso de Diana, Princesa de Gales, que milhões de pessoas acreditam que conheciam por causa da televisão. As palavras de Tony Blair, ditas perante as câmaras de televisão horas depois da morte de Diana, resumem a mulher e a sua relação com o público: «Um olhar ou gesto que queriam dizer tão mais que palavras.» Quem não entende o impacto tremendo da imagem de Diana sobre “o povo”, nada entende de televisão e emoção. Era esse o caso da Rainha, até reconhecer no pequeno discurso feito à frente da janela do palácio, tendo “o povo” como cenário: «Milhões de outras pessoas que nunca a encontraram mas que sentem como se a tivessem conhecido.»
Mas Diana Spencer sabia. Na célebre entrevista de 40 minutos à BBC, em que confirmou o adultério, anunciou o seu programa: «Quero ser a Rainha dos Corações» (jogo de palavras com Rainha de Copas). Diana sabia que televisão é emoção, que é um negócio de personalidades e não de ideias, como bem cedo na história do medium descobriu o grande jornalista americano Edward Murrow. Foi ele quem destruiu politicamente o Senador Joseph McCarthy no programa semanal “See It Now”, o primeiro com o formato de current affairs. Murrow limitou-se a mostrar McCarthy. Apenas imagens do Senador, vociferando a paranóia anti-comunista.
Diana sabia que o que quer que dissesse era apenas pouco importante. Era uma péssima oradora. Era penoso ouvi-la discursar. Pouco importava, tratando-se de uma mulher tão bonita, elegante, iconográfica. Diana era imagem. Era a mais carismática de todas as mulheres.
Carisma é uma qualidade que poucos possuem. A ela me refiro no meu livro “Televisão Política” (Círculo de Leitores, 1996) a propósito de Freitas do Amaral e Mário Soares. A conceção doutrinária cristã caracteriza carisma como a qualidade própria de pessoas «possuídas pelo Espírito Santo, pelo dom da graça divina». Por exemplo, o dom de fazer milagres. A palavra grega “charisma” refere um atributo próprio de um líder a quem se atribui um poder enorme, quase mágico, profético. Weber assinala que o carisma entrou na rotina e deixou de ser um atributo apenas dos líderes, como Jesus Cristo, e passou a ser reconhecido aos mortais.
O escritor e político Lord Jeffrey Archer (“First Among Equals”, “The Fourth Estate”), ele próprio alvo de uma operação paparazzi, lamentou a morte da sua amiga, mas também «a nossa maior superstar» e as Spice Girls dedicaram o seu Emmy à «maior embaixadora da Grã-Bretanha». Sabe-se agora que Blair convidara Diana para “embaixadora especial” do Reino Unido. Mas Archer foi mais longe, ao denunciar na televisão aquilo que aos telespetadores não foi evidente.
Archer disse, no que foi mais tarde corroborado pelo cineasta Lord Richard Attenborough, que o discurso do Conde Spencer, irmão de Diana, durante a cerimónia na Abadia de Westminster, fora aplaudido pelos presentes apenas depois do aplauso do “povo” no exterior da Abadia ter sido ouvido pelos que dentro da Abadia mais próximo estavam da porta. Depois, o aplauso propagou-se pela nave da igreja. Archer disse também que aquele tinha sido «o mais importante momento político» de toda a sua carreira política. Sabendo-se o que Archer já viveu, é uma afirmação extraordinária.
O cortejo e as cerimónias fúnebres desde sempre foram momentos carregados de significado político e social. Os cortejos fúnebres egípcios eram uma oportunidade para realçar a riqueza, posição social ou feitos do morto. As exéquias televisivas de Diana foram certamente muito mais emotivas do que as cerimónias de Churchil e Kennedy, em que o protocolo dominou.
A cerimónia do funeral de Francisco Sá Carneiro – outra história de amor terminada em tragédia inesperada –, foi pouco protocolar mas a emoção foi contida. Tive responsabilidade direta na transmissão, improvisada pela RTP, que por ter tido (apenas) sete horas de duração foi alvo de tantas críticas (sendo certo que se estava na véspera de uma eleição presidencial, que dizer agora das dezenas e dezenas de horas que a estação pública britânica dedicou a Diana?). Talvez a emoção desencadeada pela cerimónia dedicada a Diana se possa comparar à emoção que acompanhou o enterro de Khomeini, mas em que a histeria, a confusão e o burlesco dominaram.
Tony Blair considerou que este era um momento decisivo para o futuro da monarquia, e para o seu governo. Blair deverá ter não apenas acompanhado, mas mais provavelmente dirigido a conceção e organização das cerimónias, com a colaboração de homens como o ministro sem pasta Mandelson, as cabeças que estiveram por detrás da eficaz organização, da coreografia perfeita, da escolha fantástica da música que fizeram da cerimónia o melhor programa de televisão de cultura ocidental de sempre. Melhor e maior, com a maior audiência de televisão jamais registada (fala-se em dois milhares de milhões – mas como é que sabem?).
A cerimónia fúnebre de Diana em Westminster foi certamente, até àquele instante, o momento de televisão mais emocionante na história do medium. Tudo foi emoção. A música de, entre outros, Purcell, Verdi, Elton John e do cerimonial da igreja ortodoxa, foi sublime e forte, constituindo um elemento crucial para manter e reforçar o ambiente emotivo. A terminar, a voz forte do arcebispo Carey soou reconfortante para as almas entristecidas de tantos milhões. As famílias abraçaram-se e deram graças a Deus por estarem vivos.
Tudo foi feito com o maior profissionalismo por todos os intervenientes. As irmãs de Diana leram muito bem, com voz triste, doce e melódica, passagens dos salmos dedicadas ao amor. Seguiu-se, com um texto mais longo, Tony Blair, carismático e especialista em emotividade em televisão, que com voz firme mas sentida enviou aos herdeiros do trono a mensagem bíblica de que têm de passar a ser homens. Mal refeitos da canção de Elton John, que já confessou ter usado teleprompter (teleponto numa cerimónia de Requiem, é mesmo televisão!) para garantir que não misturava a letra antiga de “Candle in the Wind” com a letra nova, surge de imediato o discurso do Conde Spencer. Foi o clímax. Carregado de emoção e como uma forte mensagem política em que falou de coisas inimagináveis nos dias que correm, como a ideia de «família de sangue», mas também de abertura de espírito, como a referência à complexidade do mundo atual e à liberdade de ter uma personalidade livre e própria, tudo no respeito pela tradição.
Spencer teve a preocupação de contrariar o movimento para fazer de Diana uma santa, que não era. Não tinham razão para estarem preocupados, embora seja certo que o renascimento do culto mariano, a que a Newsweek então dedicara o artigo de capa, recebeu um novo e poderoso contributo. Não é com exagero que a televisão inglesa utiliza o termo “peregrinação” para explicar o afluxo de dezenas de milhares de pessoas ao palácio onde vivia Diana.
Diana, a Princesa que confessou sentir-se atraída pela morte e pelos doentes com doenças terminais, a personalidade «complexa» como se lhe referiu o irmão, continua a existir. Há milhões de imagens da Princesa nos arquivos de televisão de todo o mundo. Sossegai. Por muitos e muitos anos Diana continuará a existir como sempre existiu: como uma bela imagem de televisão.