Os tempos mais recentes têm sido pródigos em notícias esparsas, aparentemente não relacionadas entre si, que nos dão conta da realização de “pequenos” crimes cometidos um pouco por toda a Europa, tendo por alvo quer agentes de forças de segurança, quer militares, quer simples cidadãos individuais e indefesos. Por regra, são incidentes com viaturas automóveis, atropelamentos, crimes cometidos com armas brancas proibidas, um ou outro com armas de fogo. Crimes que, nas sociedades ocidentais de há poucos anos, se incluiriam na lista da pequena criminalidade que deveria ser tratada no âmbito da segurança pública.
Acontece que, a ligar todas estas ações criminosas, tem surgido quase sempre a sua reivindicação por parte do Daesh – que tanto reclama a autoria e paternidade dos grandes atentados como o de há duas semanas em Barcelona como, simultaneamente, reivindica os “pequenos” crimes praticados em Bruxelas, em Cambrils, em Estocolmo ou em Turku, por exemplo.
Significa isto que, hoje em dia, face à radicalização jiadista em curso em muitas comunidades muçulmanas, nenhum lugar, verdadeiramente nenhum lugar, do Ocidente se pode considerar um lugar seguro e um lugar onde estejamos a salvo dos que invocam Deus para cometerem toda a espécie de barbárie e de carnificina. E que, cúmulo dos cúmulos, justificam essa mesma barbárie com a invocação desse mesmo Deus. Paradoxos e contradições.
Mas isto significa, também, que não basta nem chega proclamar que não devemos deixar que os terroristas condicionem e determinem o nosso modo de vida e influam sobre as nossas decisões. É falso. É mentira. Por muito que nos custe admitir, os terroristas já condicionam e já determinam e já influem sobre o nosso modo de vida. E, no mínimo, ingénuo será todo aquele que programar qualquer alteração à sua rotina diária sem levar em consideração essa nova normalidade que se instalou nas nossas vidas e na vida de muitos dos nossos concidadãos europeus (sim, porque não nos esqueçamos que todos nós, europeus dos Estados da União, além de sermos cidadãos de cada um dos seus Estados, estamos unidos por uma cidadania comum que é a europeia; uma cidadania que tem a particularidade de, pela primeira vez, nos aparecer dissociada do conceito de nacionalidade).
É, pois, com uma nova normalidade que temos de nos confrontar.
Nessa perspetiva, o desafio que temos pela frente não pode nem deve ser a negação dessa mesma realidade que a todos se nos impõe e que a todos nos condiciona. Fazê-lo equivaleria a usar a tática da avestruz, enfiando a cabeça na areia para não vermos nem conhecermos dessa mesma realidade.
Pelo contrário, o desafio que temos por diante passa pela adoção de todas as medidas que se afigurem necessárias para reverter essa nova normalidade, não nos conformando com ela, mas partindo do princípio – inteligente – de que ela está aí e veio para ficar se nada fizermos para a alterar.
E no domínio das medidas a tomar, um princípio existe que se afigura inquestionável. Nenhum Estado, hoje em dia, tem a possibilidade de, por si só, isoladamente, combater este fenómeno do terrorismo hodierno. Nenhum Estado. Impõe-se, inelutavelmente, reforçar e aprofundar a cooperação internacional no combate ao terrorismo. E não deixar que este reforço e este aprofundamento se limite a nobres proclamações, de muito escasso efeito prático.
Se levarmos em consideração que, só no quadro dos Estados-membros da União Europeia existem mais de 50 serviços e autoridades com competências (nacionais ou regionais) para atuarem nos domínios da prevenção e combate ao terrorismo, percebemos com facilidade que a ineficácia terá de ser a regra e a norma. Talvez, por isso, começar por criar um serviço europeu, supranacional, de informações e inteligência possa ser o ponto de partida para um eficaz combate multidisciplinar a este fenómeno novo que já condiciona as nossas vidas e a nossa nova realidade.
Dir-se-á: tal constituiria mais uma diminuição do que resta da soberania dos Estados. É verdade. Mas perante desafios transnacionais, a resposta não pode ser nacional. Será, provavelmente, o menor dos preços que teremos a pagar para garantia da nossa segurança.