Em junho passado, a Federação Europeia de Ciclistas lançou um relatório com a “Estratégia Ciclista”, que faz o ponto de situação da utilização de bicicletas nos países da União Europeia. Nas estatísticas que apresentam usam os dados do Eurobarómetro de 2014, onde os resultados obtidos por Portugal não são nada de espantar. Perto de 1% da população utiliza a bicicleta como primeiro meio de transporte, ex aequo com Chipre, apenas ultrapassado por Malta com 0% no final da tabela. É caso para se tentar saber que percentagem de portugueses sabe realmente andar de bicicleta.
Nem tudo é mau, pois fazemos parte dos oito países que têm taxa de IVA reduzida para a reparação de velocípedes, e o relatório anterior aponta ainda que em Portugal existe uma expansão na produção do setor, que emprega técnicos de elevada qualidade.
É, sem dúvida, curioso aceitar que a disponibilidade à utilização diária de uma bicicleta não esteja diretamente relacionada com a chuva e a temperatura envolvente. Seria de esperar que fosse o clima difícil do nosso país que levasse ao pouco uso de bicicletas, tanto quanto o ótimo tempo da Suécia ou da Holanda leva uma média de 26,5% dos seus cidadãos a deslocar-se diariamente em duas rodas para o trabalho e a levar os filhos à escola. E não consigo aceitar a justificação que os declives nas nossas cidades sejam mais incómodos que os grandes nevões e tempestades nos países nórdicos, e outros a eles próximos.
Fora o gracejo, até poderá ser aquela a razão, mas não pelo nível de queixume que por cá existe mal caem duas gotas de água, ou mal o termómetro varia 2C°. Na verdade, a inexistência de infraestruturas adequadas, num contexto de falta de hábito dos demais condutores, torna a vida dos ciclistas diários realmente perigosa, tanto para eles como para os demais envolvidos. E não há IVA poupado que ajude. Há trajetos em estrada para levar crianças ao infantário no centro de cidades como Braga e Porto, realidade que me é próxima, que seriam classificados como negligência parental fazê-los de bicicleta.
Apesar de não ter encontrado estatísticas nacionais de suporte, parece-me visível um crescendo na utilização recreativa de bicicletas nos últimos anos, mas irrisória na utilização diária. É melhor que nada, pois habitua os condutores à existência de transportes silenciosos na estrada e obriga a aprender a ter outros cuidados. A revisão da legislação rodoviária também tem vindo a facilitar o uso das bicicletas permitindo a circulação nas bermas, atribuindo-lhes o direito à prioridade caso se apresentem pela direita, como outro veículo, e legislando muitas outras situações.
O problema em Portugal parece-me ser um pouco mais profundo, pois somos um povo com uma ligação cultural forte ao automóvel, ao qual temos associado um enorme significado de poder económico. Para uma mudança neste paradigma, é preciso apoiar quem se disponibiliza a andar de bicicleta, para que o possa fazer sem dificuldades técnicas de maior.
O desafio está, por isso, na restruturação da circulação nos centros das cidades, para além do que tem vindo a ser feito nas novas zonas residenciais de periferias. Novos investimentos exigem realocações dos rendimentos estatais e municipais, pelo que uma vez mais apresento um excelente destino para os atuais subsídios aos combustíveis fósseis. Os problemas técnicos já apontados por João Cardoso do LNEC na construção das ciclovias (dificuldades de visibilidade, interrupção e sinalética pouco coerente) são algo a ser considerado como dor de crescimento deste novo modo de mobilidade, assim como outros problemas que cidades como Antuérpia, e certamente outras, já sofrem, como falta de lugares de estacionamento, lojas de reparação sobrecarregadas e congestionamento.
Estas dificuldades são, em largo modo, preferíveis às associadas a uma intensificação de automóveis nas cidades. E quando se aprende a ir de bicicleta para o emprego em metade do tempo, a um custo irrisório, com metade do objetivo diário das calorias gastas, e sem correr o risco de ter um ataque de pânico no trânsito, então nunca mais se esquece.
Na perspetiva que atualmente o Governo propõe, de descarbonização do país em 2050, esta medida será crítica, pois as bicicletas aproveitam o nosso clima local para protegerem o clima global. Pedalem, meninos e meninas, pedalem.