“Pedia-se um árbitro justo, mas espreitando a biografia dos nossos governantes, constata-se que dos 18 ministros (incluindo o Primeiro), 12 são funcionários públicos, e aos restantes seis pouca experiência empresarial se lhes conhece”, escreveu há dias Isabel Stilwell no Jornal de Negócios. Esta chamada de atenção é pertinente porque o elevado nível de miscigenação político-funcionário público terá com elevada probabilidade efeitos no desenvolvimento e prossecução de políticas públicas. A prática normal de nomear ministros e secretários de Estado com origem na administração pública pode induzir confusão, quiçá conflitos de interesse, entre a responsabilidade política e a responsabilidade funcional do funcionário público chamado a desempenhar funções políticas, por vezes sobre os seus antigos-presentes colegas de trabalho.
Qual poderá ser a implicação da origem ambígua e eventualmente conflituosa do político/funcionário público na definição, prossecução e eficiência de políticas públicas? Benigna? Maligna? Neutra? À primeira vista não me parece saudável. Talvez haja quem tenha estudado o fenómeno. Desde logo, top of mind, o regresso às 35 horas semanais, uma medida cujo principal objetivo era evidente retorno eleitoral, tem como consequência uma vantagem para os próprios governantes funcionários públicos quando voltarem à sua condição de origem. Mas o problema maior é tratar-se de uma medida com implicações na produtividade do serviço e no custo hora de trabalho.
Entre os “deveres gerais” dos “trabalhadores públicos” em Portugal estão, designadamente, o dever de zelo, de correção, de assiduidade e de pontualidade. Mas não há, como por exemplo no Reino Unido, referência explícita a “responsabilidade” (accountability). Também não há referência a “eficiência” ou “desempenho”, embora alguns dos deveres apontem implícita, mas tenuemente, nesse sentido. Segundo os britânicos, accountability no serviço público significa ser chamado a prestar contas, ter de responder, ser escrutinado, ser eficiente, avaliando as decisões em termos de equidade, adequação e proporcionalidade.
Na atual época de terrorismo pirómano, ou no episódio da queda da árvore no Funchal, ministros, secretários de Estado e presidentes de câmara têm dado a cara, muitas vezes para alijar responsabilidades, quando nunca em circunstância alguma o deveriam fazer. Mas devo confessar a minha perplexidade: é tudo responsabilidade dos eleitos? Não existe uma administração pública com uma cadeia hierárquica, que começa nos diretores gerais, a quem sejam pedidas responsabilidades? Não está entre os seus deveres o de “zelo”, designadamente o de verificar a aplicação das leis pertinentes à sua função?
É preciso ser o próprio presidente de câmara mandar cortar a árvore assassina – embora no caso do Funchal alegadamente o antigo e o anterior presidentes tenham sido informados do perigo? É o ministro que tem de zelar pessoalmente pela efetiva aplicação das leis existentes, meter-se no 4×4 e percorrer as serras para verificar se as árvores estão a dez metros de distância da estrada? Ou são os funcionários públicos de cuja lista de deveres está o de informação, esses portugueses privilegiados que, façam ou não façam – talvez por isso – cuja maioria tem emprego assegurado para a vida?
Creio que não é o ministro que tem de garantir que cada uma das florestas foi limpa, e se não foi, fazer atuar os mecanismos legais pertinentes. São os serviços competentes pagos pelos contribuintes para fazer esse trabalho e informar o ministro, o qual, por sua vez, atuará em conformidade com os resultados do respetivo plano e objetivos – se os houver. Ao ministro é pedida responsabilidade na definição da política florestal – mais ou menos eucaliptos, como e onde. Todavia, o problema pode ter origem precisamente na adoção de políticas erradas, ou mal estudadas ou mal compreendidas, ou mal aplicadas, desmotivadoras, etc., que arrastam tudo o resto na direção da desresponsabilização e da displicência. Será, afinal, uma questão de deficiente cultura organizacional e de accountability a nível do Estado e nacional.
Portugal é um dos países europeus com maior número de funcionários públicos, aquelas pessoas que nos países anglo-saxónicos são conhecidas pelo termo “servidor público” (civil servant), também utilizado no Brasil em paralelo com “funcionário público”. Segundo a definição europeia (s.1311 ESA 2010), a administração central inclui todos os departamentos do Estado ou de outras agências centrais, cujas competências se estendem normalmente a todo o território económico. Os números de alguns países com população semelhante à portuguesa não são exatamente comparáveis porque refletem modos diferentes de administrar, mas é, todavia, interessante conhecê-los.
Os números do Eurostat indicam que Portugal tem 95,335 empregados na administração central. Eram 117.972 em 2007, uma pequena redução. Na Bélgica, país federal, há 25.653 funcionários na administração central, número semelhante aos 20.393 da Áustria, também federal. A Grécia, um Estado “unitário”, tem 70.560 servidores públicos e a Hungria 16.955. A Dinamarca, que tem cerca de metade da população portuguesa, apresenta apenas 7.832, mas a Suécia, com quase dez milhões de habitantes, atira para 61.052. Se utilizássemos a Suécia como benchmark, teríamos de reduzir o número de servidores públicos em Portugal em 36%, apenas na administração central.
Muitos dos problemas de eficiência, ou falta dela, no serviço público são semelhantes em muitos países, mas há alguns que apresentam um desempenho notavelmente melhor. A produtividade geral de um país reflete-se em todas as atividades, e também no serviço público. Em Portugal, tal como no Reino Unido (RU), a produtividade geral é baixa se comparada com a França, Alemanha ou Espanha. Segundo um estudo da PwC, um aumento de 10% na produtividade no RU resultaria num aumento de 140 mil milhões de libras (cerca de 155 mil milhões de euros) por ano no PIB. Esta consultora afirma que, no futuro, os utentes dos serviços públicos terão expectativas cada vez mais elevadas, nas quais se inclui personalização e satisfação do consumidor.
Corresponder a elevadas expectativas com aperto financeiro e redução de efetivos é o desafio que se coloca à generalidade dos países. As três principais variáveis tidas em consideração pelas administrações públicas que pretendem adequar os serviços à realidade atual e expectável, são redução de custos, modernização com a reforma de serviços, melhoria da eficiência e eficácia no desempenho do serviço ao cidadão.
As três questões que se devem colocar em foco, segundo aquele estudo, são: definição do objetivo organizacional; o que é que se pode medir e como (não é certamente o número de horas no posto de trabalho); e quais as estratégias para atingir os objetivos esperados. Tal como no setor privado, é preciso adaptar a oferta à procura e alinhar competências com oportunidades. A adaptabilidade exige procurar novos talentos e dar formação aos existentes. Um dos principais ingredientes é fomentar a motivação e outro é encontrar pessoas que se adaptem à mudança.
Um estudo de adaptabilidade à mudança feito em alguns países revela que a China é o menos adaptável, seguido de perto pela Índia, Brasil e Alemanha, enquanto no topo da adaptabilidade está a Holanda seguida do Reino Unido e Canadá. Os EUA estão no meio da tabela. Portugal não está incluído no estudo. Para que a adaptabilidade ocorra, é necessária uma cultura organizacional e uma estrutura que criem ambiente e amplitude de autonomia para os empregados, tanto no setor privado como no público.