Entrou no início desta semana em vigor a lei do combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo. Naquilo que a mesma pretende ser um instrumento de combate ao crime organizado e ao terrorismo é fundamental à preservação da forma de viver das sociedades ocidentais, assoladas por fenómenos de criminalidade altamente organizada, quantas vezes com recurso a meios cibernéticos muito sofisticados e recorrendo ao disfarce financeiro de operações, muitas das vezes para financiar atividades ilícitas como o terrorismo.
A lei prevê para um conjunto de entidades e profissionais o dever de revelar um conjunto de operações em que tenham intervenção a pedido dos seus clientes ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal da Procuradoria-Geral da República (DCIAP) e à Unidade de Informação Financeira. Prevê também o dever para as entidades obrigadas de colaborar com as autoridades tributárias e judiciárias prestando esclarecimentos e fornecendo elementos relativos a operações em que assessorou os seus clientes. A lei vai ao ponto de exigir das entidades obrigadas a comunicação numa base sistemática das operações que elenca que são, na realidade, todas as que se podem realizar, sejam compras e vendas de imóveis, a constituição de sociedades ou quaisquer operações financeiras e imobiliárias. São abrangidos de forma indistinta entidades como os bancos, os fundos, as auditoras, os revisores oficiais de contas e os contabilistas certificados, mas também os advogados e os solicitadores.
Ora, é precisamente esta extensão da aplicação de tais deveres de forma indiscriminada aos advogados e solicitadores, profissionais que por excelência exercem o mandato judicial por conta dos seus clientes, que não é admissível. E se é verdade que o artigo setenta e nove da lei constitui uma cláusula de salvaguarda para todas as situações em que estejam em causa informações obtidas para o exercício do mandato ou para a apreciação da situação jurídica do consulente, obviou-se que estes atores do judiciário – advogados e solicitadores – por força do seus estatutos profissionais e da natureza da atividade que exercem, ao contrário dos auditores, dos revisores e dos contabilistas, não têm o dever de revelar, mas o dever de reservar os assuntos dos seus clientes.
O sigilo profissional é a pedra angular do direito de defesa dos cidadãos num Estado de Direito Democrático. É a diferença entre a devassa completa da privacidade e da liberdade e a sua ausência. É a diferença entre um Estado de Direito Democrático e um Estado Polícia, no qual a máquina do Estado além de procuradores e de polícias criminais para investigar e acusar, pretende contar com um conjunto indiferenciado de profissionais requisitados à força como delatores dos seus clientes. É para casos limite como este que reputados constitucionalistas falam na figura do direito de resistência.