Os resultados das eleições federais alemãs colocaram uma nuvem negra sobre os céus da União Europeia, justamente após Juncker ter anunciado no seu discurso sobre o Estado da União que o vento estava de volta às velas da Europa.
A eleição de Macron e da sua agenda liberal e europeísta, a recuperação das economias do sul da Europa, entre as quais Portugal, Espanha e Grécia, as projeções otimistas de crescimento económico para a Zona Euro, que apontam 2017 como o melhor ano desde 2010, tinham-nos feito esquecer os recentes fenómenos populistas e extremistas como Le Pen em França, Wilders na Holanda, Hofer na Áustria, entre outros. As eleições alemãs são um ótimo recordatório de que enfrentamos um mal crescente que, tal como no século passado, poderá ensombrar a nossa história.
O partido de extrema-direita alemão, Alternativa para Alemanha (AfD), obteve 12,6% dos votos nas eleições federais, ascendendo a terceira força política e sendo o primeiro partido de extrema-direita a entrar no Bundestag desde a Segunda Guerra mundial. As propostas do AfD são diametralmente opostas à agenda europeia, designadamente, defendem a saída da Alemanha do euro, o fim dos resgates aos países do Sul, o restabelecimento do controlo nas fronteiras e uma política anti-imigração, antirrefugiados e anti-islão. As propostas de teor xenófobo do AfD não merecem qualquer comentário digno. Mas as propostas económicas não deixam de me causar perplexidade, na medida em que pretendem destruir precisamente aquela que tem sido a maior vantagem económica da Alemanha nas últimas duas décadas: o euro.
É mais fácil ceder a preconceitos xenófobos e estereótipos sobre os povos do Sul do que compreender teoria económica. Por causa do euro, todos os países do Sul vivem uma situação de falta de competitividade na exportação dos seus produtos (por não poderem desvalorizar a sua moeda), acumulando défices nas balanças comerciais. O crescente endividamento externo das economias do Sul é assim uma consequência natural desse desequilíbrio competitivo. A Alemanha, por sua vez, tem beneficiado da competitividade cambial que o euro lhe proporciona, o que lhe permitiu acumular superavits comerciais e tornar-se credora dos países do Sul. Para piorar a situação, a Alemanha tem feito dumping social, não permitindo o aumento dos salários, e tem investido menos do que deveria.
Estes desequilíbrios estruturais da Zona Euro apenas podem ser resolvidos se forem implementadas políticas que corrijam o pecado original competitivo, entre as quais: mais mobilidade dos trabalhadores europeus; união bancária efetiva, com garantia europeia de depósitos; um orçamento europeu focado na convergência; um fundo monetário europeu capaz de resgatar os Estados em dificuldades; e um fundo de desemprego europeu. Mas, mais importante, é necessário reforçar a componente política do projeto europeu para legitimar a perda de soberania nacional.
Merkel sabe que estas reformas são necessárias para salvar o euro e para preservar a posição competitiva da Alemanha no futuro. Porém, afirmou que quer recuperar os eleitores que desertaram para o AfD. Merkel terá de resolver um quebra-cabeças, concedendo em matérias de imigração para ter espaço para alinhar na agenda reformista de Macron. De qualquer modo, o otimismo de Juncker ficou bastante nublado depois destas eleições federais alemãs.